São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Perdidas, drags de "Priscilla" encaram o deserto de salto alto

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O filme do australiano Stephan Elliott, sobre drag queens na rota dos cangurus, ganhou o status de "cult" no circuito gay. É engraçado, liga contrastes entre a natureza e o salto alto, tem boa trilha e frases de cair a peruca. Só que o amor que não ousa dizer o nome também não beija nessa história.
Elliott filmou "Priscilla, a Rainha do Deserto" para o público hetero. Chegou a confessar que um beijo entre homens poderia prejudicar a bilheteria.
Por isso, a viagem do ônibus Priscilla enfatiza a ansiedade da drag Mitzi pela aceitação de seu filho —de um casamento hetero. O simbolismo é forte.
A história de Priscilla no deserto australiano não chega a ser uma "Odisséia". Há encontros com operários machões e aborígenes amistosos. Mas a coisa mais próxima a cíclopes e bruxas é mesmo o trio do ônibus cor-de-rosa: a tímida Mitzi, a louca Felicia e a tia transexual Bernadette.
As amiguinhas são vistas pelo microscópio do exotismo —foco ampliado pela estranheza do meio ambiente. Perdidas no deserto, elas encaram as montanhas com um bizarro kit de sobrevivência —peruca suada, salto alto e maquiagem pesada. A aventura tem ares no mínimo fellinianos.
"Priscilla" é um monumento ao kitsch. O filme abusa do deslocamento da função dos objetos. Chega a introduzir bolas de tênis num strip-tease e colocar um salto de dois metros sobre o capô do ônibus. Durante a viagem, o tal salto ainda vira trono de uma drag de vestido esvoaçante, que posa para o vento com a pompa de uma ópera de Wagner e a cafonice de um anúncio de liquidação de moda.
Como não poderia deixar de ser, a viagem desvia pelo pântano do preconceito. Embora critique a crueldade machista —há uma passagem forte, em que o ônibus é pichado com ofensas—, Elliott chega às raias da misoginia, ao retratar a única mulher heterossexual da trama como uma prostituta vulgar.
Por outro lado, a presença do filho de Mitzi, as cores e o comportamento de desenho animado das drags acaba contribuindo para que um clima infantil se sobreponha ao veneno das piadas mais fortes, disparadas entre as heroínas.
Na verdade, o roteiro até lembra Esopo. Atoladas no deserto, as cigarras preferem cantar e dançar a fazer algo pela própria sobrevivência. O resto são formigas e músicas do Abba.

Filme: Priscilla, a Rainha do Deserto
Direção: Stephan Elliott
Elenco: Terence Stamp, Hugo Weaving, Guy Pearce
Distribuição: Top Tape (tel. 011/826-3066)

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