São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Que fazer com R$ 18 por ano

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Aproveitei o Carnaval para colocar em dia a leitura de relatórios produzidos pelo governo e tomei um susto. Pensei que tinha lido errado. Não tinha. Um aluno de ensino básico pode custar por ano (isso mesmo, por ano) R$ 18. Ou seja, metade da menor caixa de camisinhas. É a síntese irretocável do Brasil.
O dado está em um documento que acaba de ser lançado pelo Ministério da Educação com as principais informações sobre ensino no Brasil. O valor de R$ 18 por ano foi encontrado no interior de Alagoas. O maior gasto está em Brasília: R$ 280 anuais. Esses números ensinam como se produzem subcidadãos.
Segundo o documento, a média mensal de um aluno numa escola particular de São Paulo é de R$ 95, o que dá 22 alunos do interior de Alagoas e dez brasilienses. A partir da quarta série, a média sobe para R$ 115 e, no segundo grau, R$ 130. A comparação pode ser muito mais perversa.
No Brasil, como se sabe, os pobres estudam em escola pública e, se tiverem sorte, muita sorte, acabam num curso noturno de faculdade particular.
Os ricos fazem escola particular e entram na universidade pública. Um universitário pode custar até R$ 7.500 ano ano. Traduzindo: 416 alagoanos.
A discussão central não é se R$ 7.500 é muito ou pouco pelo estudante na faculdade —esse é um detalhe. O ponto é se o investimento vai refletir em alguma melhora a curto, médio ou longo prazos, por exemplo, para o pai ou a mãe do estudante que vale US$ 20 por ano. Em poucas palavras, se o ensino superior, patrocinado pelo contribuinte, ajuda ou não a reduzir as desigualdades sociais.
Se a sociedade entender que ajuda (e muito), lute-se até por mais recursos para o ensino superior. Do contrário, quem quiser ter diploma que pague do seu bolso.

PS — Os líderes sindicais deveriam entrar com urgência nessa discussão. Afinal, quem estuda em escola pública é filho de trabalhador. Por que, por exemplo, deve-se patrocinar o estudo do arquiteto que constrói casa de campo, cirurgião-plástico que retoca dondoca ou nutricionista que ensina a emagrecer?

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