São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Distorções "corretivas"

ANTONIO DELFIM NETTO

A filosofia que preside a chamada modernização da economia é a de eliminação sistemática das distorções que dificultam a eficiência alocativa. É por isso que ganham força as formas de intervenção governamental "limpas".
A reforma do sistema fiscal, por exemplo, deve ser perseguida, não para aumentar a receita, mas para eliminar as distorções no sistema de preços relativos, na oferta e na demanda de trabalho, na intermediação financeira, que faz ligação entre poupança e investimento etc. A regra é que é sempre melhor e mais eficiente eliminar diretamente as distorções, do que produzir novas distorções para corrigi-las.
Ora, é exatamente esse princípio que tem sido violado pela atual política econômica. A sobrevalorização cambial é hoje visível e importante. Não adianta escolher um deflator "conveniente" para dizer que ela não existe. O câmbio real é um preço relativo e, consequentemente, só pode ser calculado pelo quociente de dois preços.
E é claramente uma tristeza ouvir "catedráticos" dizerem que os preços dos serviços incorporados ao índice do custo de vida não têm nada a ver com a taxa de câmbio real!
As autoridades meteram-se numa política cambial sem futuro. Tentam agora corrigir a distorção com dezenas de outras pequenas distorções.
Já não temos uma única taxa cambial sobrevalorizada. Temos várias. Antecipação de contrato de câmbio, pagamento antecipado, imposto de exportação, diferenciação por setor, por tamanho de empresa etc. vão desorganizando o sistema cambial.
É o caso dos contratos de adiantamento de câmbio. Para os pequenos exportadores (menos de 10 milhões de dólares por ano), o efeito é muito pequeno. Mas para os grandes exportadores ele é importante, diferenciando suas taxas de câmbio. Tudo isso graças ao fato que as boas empresas pagam uma taxa nominal de juros da ordem de 120% ao ano, a maior do mundo civilizado, e o governo paga uma taxa real de juros de 35% ao ano, o que arruína o orçamento federal.
Assustado com os saques da poupança, o governo corrige a TR e esmaga ainda mais a agricultura já expoliada pelo câmbio. Controla o consumo para controlar a importação. Truques, truques e mais truques, com um dos preços relativos mais importantes da economia introduzindo toda sorte de distorções alocativas (e reduzindo a eficiência produtiva), porque a autoridade, com mais arrogância do que "ciência", se recusa a ver as tolices que praticou.
Facilitar as exportações é uma boa coisa. Mas fazê-lo com uma proliferação de taxas artificiais não é idéia que mereça ser vista como inteligente. Corrigir um erro com outros erros não pode ser considerado progresso a ser saudado como acerto...
Não tenhamos ilusões. O maior risco do real está na probabilidade crescente de produzir-se um déficit no balanço comercial. Se essa perspectiva se confirmar e a situação do mercado financeiro internacional não melhorar, as famosas reservas que custam sangue, suor e lágrimas para os brasileiros vão virar pó e levar com elas o real.

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