São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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A saúde pública e a saúde da mulher

MARGARETH ARILHA

Para a empresa privada, uma cesariana oferece muito mais lucratividade do que um parto normal

As mudanças anunciadas pela administração do prefeito Paulo Maluf na área da saúde são extremamente preocupantes. Elas apontam para a privatização pura e simples, em detrimento de uma parceria com o setor privado e a própria sociedade e sem que o poder público assuma sua responsabilidade de definir as diretrizes dos serviços a que a população tem direito.
Ignoram todas as soluções propostas através da implantação do SUS (Sistema Único de Saúde) e, no caso específico da saúde reprodutiva da população, deixam de lado a posição consolidada no Paism (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher), através do qual se buscavam caminhos para expandir e aprimorar a assistência à saúde das mulheres, ampliando e melhorando a qualidade do atendimento ginecológico, da assistência ao parto, do uso de contraceptivos, prevenção e controle da Aids e doenças sexualmente transmissíveis, diagnóstico precoce do câncer da mama e do útero e questões polêmicas, como a prática exagerada de cesarianas e o aborto.
Não se pode supor que a simples passagem do público para o privado constitua um aval de aperfeiçoamento do atendimento. Ao contrário, há determinadas práticas que, na área pública e na área privada, são nitidamente condicionadas por motivações diferentes: num caso, a saúde pública, no outro, o lucro. Para a empresa privada, uma cesariana oferece muito mais produtividade e lucratividade do que um parto normal. Privatizado o sistema de saúde, como reverter essa tendência de opção, no Brasil associada também à prática da laqueadura feminina?
No caso da saúde reprodutiva, deveríamos guiar-nos pela proposta de ação que o Brasil subscreveu na Conferência do Cairo, em setembro do ano passado. O documento aponta claramente para a necessidade de uma parceria entre essas várias instâncias —setor público, setor privado e sociedade, porém com prioridade absoluta para a definição de objetivos pelo Estado, como, por exemplo, para a produção, comercialização e distribuição de preservativos —sem o que continuaremos colocando em risco a saúde e a vida de mulheres e homens deste país.
São Paulo e o Brasil não podem mais fechar os olhos a uma realidade cruel que obriga as mulheres a um cotidiano cheio de riscos e ameaças à sua saúde e à sua vida, como a crescente vulnerabilidade à Aids, gestações indesejadas, esterilização como método contraceptivo, abortos clandestinos, cesarianas desnecessárias, falta de condições para aceitar seus filhos e criá-los, angústias não compartilhadas nos diagnósticos e tratamento de câncer e solidão no envelhecimento.
O Brasil espera respostas firmes e que demonstrem um efetivo compromisso com as resoluções da conferência do Cairo.

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