São Paulo, quinta-feira, 2 de março de 1995
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Turismo ecológico preserva ecossistemas

LUCIANA VEIT
DA ENVIADA ESPECIAL AO PANTANAL

O núcleo de monitoramento ambiental da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) recebe imagens de satélite do Pantanal quatro vezes ao dia.
Evaristo de Miranda, 42, doutor em ecologia, é pesquisador do núcleo e falou, em entrevista à Folha, dos problemas ecológicos que a região enfrenta e das alternativas econômicas compatíveis com a preservação.

Folha - Quais os principais problemas ecológicos que o Pantanal enfrenta hoje?
Miranda - O Pantanal sofre dois tipos de problemas de conservação: os do próprio Pantanal e os que estão sendo gerados em torno. Dentro do Pantanal, o aumento da população humana e a construção de estradas têm perturbado profundamente os caminhos originais das águas.
Uma estrada como a Transpantaneira teria que ter, a cada cem metros, uma passagem para a água. Isso não ocorre. A água não flui mais como antes e inunda certos locais. Os animais podem ser surpreendidos em uma cheia e morrerem afogados porque, ao tentar fugir, encontram cercas de arame farpado.
Outro problema é o desmatamento das cordilheiras para plantar pasto. Hoje, o desenvolvimento da pecuária, da agricultura e da presença humana está gerando muitos problemas. Além dos conhecidos, como o da caça do jacaré.
Folha - E os problemas externos?
Miranda - O que se faz fora também afeta o Pantanal, porque as águas descem para lá. Na bacia do alto rio Taquari houve uma intensificação da agricultura com a extensão da soja e do arroz. Hoje a erosão é muito grande e os sedimentos acabam chegando no rio Taquari e afetam o Pantanal.
Nós imaginamos, apesar de não termos dados científicos, que esta água esteja levando também adubos e pesticidas, com consequências para flora e fauna. Outro problema são os efluentes de alguns garimpos que existem no Mato Grosso e que acabam indo para o Pantanal.
Folha - Quais as atividades econômicas compatíveis com a preservação?
Miranda - Na região em torno do Pantanal você deveria ter um processo de ordenamento territorial para realizar atividades compatíveis com o meio ambiente. Seria um absurdo falar que o bom é a pecuária ou a agricultura. Depende da região, do solo e do clima, que no Pantanal são muito variados.
A palavra-chave é o planejamento territorial e o primeiro passo é o zonemaneto. É fundamental que os Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás façam o chamado zoneamento ecológico-econômico, que estão para fazer há anos. Depois você cria as áreas para parques, agricultura e compatibiliza as atividades.
Também é imprescindível que as obras públicas construídas no Pantanal sejam precedidas por um estudo de impacto ambiental, o que não foi feito quando se fez a Transpantaneira. Toda obra pública, como esta hidrovia que estão querendo fazer no rio Paraguai, deve ser feita com muito cuidado porque se está mexendo num sistema muito complexo.
Folha - O turismo ecológico é uma boa alternativa de desenvolvimento?
Miranda - Acho que o Estado pode gerar renda com turismo, isso valoriza o lugar e ajuda a preservá-lo. O mundo inteiro evoluiu para isso, o Quênia e a Mongólia vivem disso. É uma fonte de receita, preserva os ecossistemas e aumenta a consciência das pessoas
Folha - No Pantanal, a pecuária é uma atividade compatível?
Miranda - A pecuária com pasto extensivo, preservando as cordilheiras, é uma atividade extremamente adequada. O pantaneiro, assim como o sertanejo, realiza uma pecuária extensiva ao ritmo do clima, da ecologia. Eles possuem um conhecimento grande do meio ambiente, mas têm sido vitimados por um processo de modernização que tenta levar para a pecuária do Pantanal práticas de outras regiões, como a pecuária do cerrado.
Folha - E a criação de animais da região, como a de jacarés e capivaras, é uma saída?
Miranda - É uma alternativa interessante, creio que ela vai compor com uma vocação maior. Não creio que a gente possa ter num curto ou médio prazo, no Brasil, um mercado como o da carne. Eu acho que o Mercosul é uma oportunidade, que vai mexer muito no mercado da carne, pode ser muito interessante.
Folha - A pesca não contraria a preservação?
Miranda - Ela deve ser feita com muito cuidado, dentro do que o conhecimento científico autoriza e em harmonia com os ritmos das estações e as possibilidades dos ecossistemas.
Acho que a maioria dos pescadores no Brasil tem uma consciência ecológica e sabe que se destruir não vai usufruir mais.
Folha - Pelas imagens do satélite é possível falar em uma área mais prejudicada?
Miranda - A do rio Taquari. Mas o Pantanal também é afetado de alguma forma pelas queimadas no norte da Argentina e na região Sudeste.

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