São Paulo, sábado, 4 de março de 1995
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Protecionismo, com sotaque portenho

ANTONIO SALGADO PERES FILHO

Muitas vezes somos surpreendidos por situações insólitas, aparentemente tão absurdas que nos obrigam a refletir profundamente sobre elas na busca das verdadeiras razões de comportamentos ou atitudes que traduzem a velha máxima dos "dois pesos e duas medidas". É o que ocorre, por exemplo, quando está em jogo a discriminação —injustificável, sob todos os aspectos— dos investimentos de capital estrangeiro em relação ao capital nacional.
Quando, em 1986, cerca de cem empresas decidiram reunir-se e criar o Grupo de Empresas Brasileiras de Capital Estrangeiro, para discutir problemas comuns e dar início a um fórum informal de debates, não poderiam imaginar que estariam fazendo escola justamente para alguns que discriminam o capital estrangeiro, mas que, quando saem do Brasil, não querem ser tratados como "empresas estrangeiras", e, como tal, deixados de fora dos princípios essenciais da liberdade da economia.
Assim é que foi criado um grupo informal de empresas brasileiras que atuam na Argentina, como foro ideal de análise e debates para os problemas que as afligem. Este grupo adotou o mesmo modelo das EBCEs, só que com a denominação "Grupo Brasil". Em última instância, uma cópia fiel, com sotaque portenho, de uma bem-sucedida estratégia adotada no Brasil pelas empresas brasileiras de capital estrangeiro.
Segundo análise desse grupo, "o executivo brasileiro que chega à Argentina se encontra com um mercado bastante diferente do brasileiro, nos níveis cultural, legislativo, econômico e político". O Grupo Brasil se coloca, portanto, como o porta-voz das empresas brasileiras que atuam no país vizinho.
Tratar-se-ia de uma iniciativa compreensível e bastante louvável, se dela não fizessem parte empresas que, no Brasil, são favoráveis à manutenção dos monopólios estatais e ao tratamento diferenciado às empresas de capital estrangeiro aqui instaladas. Ou seja, alguns "sócios" do Grupo Brasil —logicamente não todos— defendem lá fora o que não praticam aqui dentro. Incoerência no seu sentido mais puro.
Vale lembrar que uma entidade com a filosofia da EBCE —a de combater a discriminação aos investimentos estrangeiros— só é criada quando existe uma ação contrária ao capital externo capaz de estabelecer barreiras e restrições à sua atuação. O que as EBCEs pretendem é, apenas, o estabelecimento de uma legislação justa, que reconheça que a sua ação contribui para o progresso dos países onde atuam.
As empresas brasileiras de capital estrangeiro aplicaram, até o início desta década, US$ 24 bilhões em investimentos diretos e US$ 11 bilhões em reinvestimentos. Elas respondem por 8% do capital produtivo no Brasil, mas esta participação cresce em importância quando se observa que representam 17% da atividade não-financeira no Brasil, 25% do PIB industrial e 32% dos impostos indiretos recolhidos pelo setor. É de se esperar, assim, que as autoridades brasileiras estejam cada vez mais empenhadas em eliminar as restrições ao capital estrangeiro.
Portanto, podemos imaginar como se sentem as empresas brasileiras sediadas na Argentina. Entre elas —e que pertencem ao Grupo Brasil— encontram-se a Petrobrás, o Banco do Brasil e até entidades representativas como a Embaixada do Brasil. Sabemos o que significa tentar firmar raízes em um país estrangeiro e enfrentar barreiras protecionistas que impedem a modernização e a abertura do mercado. Livre concorrência, igualdade de condições, competitividade e melhoria da qualidade são palavras-chaves para todos os países que buscam o desenvolvimento.
Quem sabe agora, a partir da experiência argentina, algumas das empresas genuinamente brasileiras e que compõem o Grupo Brasil também se mostrem mais flexíveis em relação às empresas brasileiras de capital estrangeiro. Afinal, elas buscaram soluções idênticas às que buscamos no Brasil. Tudo isso em defesa da livre iniciativa.

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