São Paulo, sábado, 4 de março de 1995
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Novo conselho é apenas jogo de cena

RUI NOGUEIRA
COORDENADOR DE POLÍTICA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A câmara setorial do cinema deve, na melhor das hipóteses, terminar os seus dias como mais uma comissão do Ministério da Cultura —levando o nome "câmara setorial" apenas por analogia. A rigor, uma câmara setorial —como a da indústria automobilística— deve seguir regras que não conseguirão ser cumpridas pelo setor cinematográfico.
As regras foram definidas no final do governo Itamar Franco. Determinam que as câmaras setoriais, sempre ligadas ao Ministério da Indústria e Comércio, serão criadas apenas de acordo com as "prioridades da economia". Por esse critério, das 32 câmaras que existiam na época, ficaram apenas nove.
Uma das exigências impostas na reforma feita em novembro do ano passado manda levar em conta a participação do produto setorial no PIB (Produto Interno Bruto).
A indústria do lazer como um todo é forte, poderia originar uma câmara específica. Mas o cinema, por si só, não tem uma participação significativa no PIB para justificar isso.
A Folha ouviu dois técnicos da Cultura e dois da Indústria e Comércio, que pediram para não serem identificados, e os quatro manifestaram ceticismo em relação a uma câmara setorial do cinema.
Na reformulação feita pelo então ministro da Indústria e Comércio, Elcio Álvares, e herdada pela atual ministra, Dorothéa Werneck, sobreviveram apenas as câmaras dos carros, bens de capital, agroindústria, eletroeletrônica, química, têxtil, indústria naval e indústria de construção e turismo.
Nessa constelação de setores peso-pesados da economia, a experiência de outra câmara ligada à cultura, a do livro, virou uma estrela de quinta categoria e nunca apresentou nenhum resultado. Deve ser ressuscitada agora, por pressões da indústria editorial. Mas como um simples comitê setorial, sem o status de câmara.
Uma câmara setorial tem uma preocupação básica: tentar baratear o preço final do produto. Essa é outra razão para o ceticismo em relação aos filmes: o problema primário do cinema não é o preço do ingresso, é a precariedade da indústria.
A Folha apurou ainda que a pressão pela criação da câmara setorial do cinema envolve um jogo político de bastidores.
Segundo um dos técnicos do Ministério da Cultura, a intenção dos cineastas ao criar uma câmara no Ministério da Indústria e Comércio é comprometer todo o governo com a necessidade de apoiar o cinema não apenas com isenções (o que já é feito pela Lei do Audiovisual), mas também na importação de equipamentos e na formação de técnicos.
No Ministério da Cultura, o novo órgão —mesmo sem o status oficial de câmara setorial, ainda que use convenientemente o nome— a idéia é que quanto mais amplo for o plenário da discussão , mais diluída ficará a responsabilidade do ministro da Cultura, Francisco Weffort, com os destinos do cinema.
É por essa razão que, além dos cineastas, o ministério deve chamar gente do Itamaraty, da Educação, da Secretaria Nacional de Comunicação Social, do Ministério das Comunicações e até Ciência e Tecnologia.
Haveria ainda outro ganho político para o ministro: se ver livre das cobranças que surgem quando são criados comitês temporários. Esse comitês fazem um relatório de exigências e ficam cobrando as providências até que o ministro termine a gestão ou, desgastado, abandone o cargo.
A aparência de câmara setorial daria munição para o ministro devolver as críticas para os próprio membros do órgão.

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