São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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Automóvel não é pãozinho

Automóvel não é pãozinho
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PEDRO DE CAMARGO NETO

"Automóvel não é pãozinho" foi a expressão utilizada por dirigente da indústria automobilística ao justificar o aumento da alíquota do imposto de importação dos automóveis de 20% para 32%.
Certamente a intenção do dirigente era enfatizar a necessidade de uma política industrial de longo prazo, geradora de renda e emprego, essencial para as decisões de investimento deste importante setor da economia.
Não se deve ter desejado menosprezar o setor de panificação e muito menos a triticultura.
Serve, porém, de ponto de partida. É importante chamarmos a atenção para o estado da triticultura, fruto da ausência exatamente de uma política de longo prazo.
A partir de 1990, com o fim do monopólio estatal da comercialização do trigo, houve uma drástica mudança na política para o setor.
Nos anos anteriores, plantava-se em função do preço de aquisição do governo, anunciado anualmente e pelo qual toda a safra era comercializada.
Com a privatização da comercialização do trigo, os produtores passaram a tomar suas decisões de área a ser cultivada em função dos preços de mercado.
Os preços mínimos instituídos para o trigo passaram a ter importância secundária para as decisões de plantio, a exemplo do que já ocorria para os demais produtos.
Os sinais de mercado passaram a ter preponderância.
Quase que simultaaneamente as importações foram liberadas. As graves distorções do mercado internacional de trigo, internalizadas.
Os diversos programas de subsídio à exportação e produção eliminam a transparência dos preços internacionais.
A falta de transparência dos preços e a incerteza quanto aos preços que vigorarão no futuro são fatores determinantes da redução da produção.
Enquanto a demanda por produtos agrícolas depende do preço atual, a oferta depende do preço esperado no futuro.
O reflexo foi imediato. A produção de trigo sofreu quedas sucessivas a partir de 1990.
De quase auto-suficiente, produzindo perto de 6 milhões de toneladas, passamos a produzir somente 2 milhões de toneladas.
Para o futuro se estima uma nova queda. Como consequência, as importações multiplicaram-se, atingindo hoje recorde histórico.
Não se pode atribuir a queda da produção de trigo à falta de competitividade do produto.
Esta cultura é exemplo raro de setor que apresentou ganhos expressivos de produtividade.
A produtividade permanecia praticamente estacionada entre 1974/84, com a média de 900 quilos por hectare, saltando, a partir de 1985, para uma média de 1.575 quilos por hectare, tendo atingido o pico de 1.800 quilos por hectare em 1989.
Como resultado, a produção nacional de trigo dobrou, enquanto a área plantada mantinha-se praticamente inalterada, pelo menos até 1990.
A produtividade média da cultura do trigo no brasil evoluiu a ponto de se aproximar das produtividades médias observadas em outros países que, como nós, não subsidiam seus produtores, como a Austrália e a Argentina.
Nestes países, a produtividade mantém-se relativamente inalterada, enquanto que a produtividade média brasileira tem crescido à taxa média de 2,35% ao ano.
A destruição da triticultura não implica somente a perda da segurança alimentar neste produto.
A área e a mão-de-obra retiradas do trigo não possuem emprego alternativo, em razão do trigo ser uma cultura de inverno, plantada após a safra de verão, quando não há praticamente culturas alternativas.
Caracteriza o desemprego de fatores de produção a ociosidade e a construção de capacidade ociosa, indicadores inequívocos de dano à economia nacional.
As entidades de produtores vêm tentando reverter este lamentável quadro, obtendo pouco ou nenhum sucesso.
A legislação de proteção à economia contra a concorrência desleal (por produto estrangeiro com preço distorcido por subsídio) tem sido flagrantemente desrespeitada.
Em 1992 o governo formalizou o início de uma investigação, desta vez referente ao trigo canadense.
Também aqui os resultados não são divulgados.
Como talvez última tentativa, as entidades de produtores solicitaram agora a abertura de investigação referente às importações de trigo da União Européia.
Novo governo, nova tentativa.
Resta agora ver o respeito que será dado à legislação anti-subsídio.
Se o pãozinho e a triticultura receberão a mesma atenção que os automóveis.

PEDRO DE CAMARGO METO, 46, doutor em engenharia de produção, é coordenador geral do PNBE (Pensamento Nacional das Bases empresariais).

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