São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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Governo descobriu espionagem americana

GUSTAVO KRIEGER
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo brasileiro descobriu que o serviço de informação dos EUA teve acesso a dados secretos da proposta apresentada pela empresa francesa Thomson na disputa pelo contrato do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia).
Segundo a Folha apurou, a descoberta foi feita pela SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) e por militares ligados ao comando do Sivam. O assunto é considerado secreto no governo do Brasil.
O vazamento envolveu o ponto mais importante da proposta da Thomson. Os americanos tiveram acesso ao esquema de empréstimos externos articulados pela Thomson para financiar o Sivam.
Os militares brasileiros avaliam que o vazamento pode ter acontecido no próprio governo francês.
A proposta de financiamento para o Sivam era o ponto decisivo da disputa entre a Thomson e a empresa americana Raytheon, apoiada pela Casa Branca.
O governo brasileiro não tem dinheiro para implantar o Sivam com recursos próprios. Por isto, decidiu que as empresas interessadas em montar o sistema teriam que conseguir no exterior os recursos necessários para o projeto.
Os empréstimos negociados pelas empresas seriam assumidos pelo governo brasileiro.
Os interessados em disputar o contrato do Sivam foram avisadas que o projeto seria entregue à empresa que reunisse a melhor solução técnica para o Sivam, os melhores preços para os equipamentos e serviços e as melhores condições de financiamento.
Franceses e americanos passaram praticamente empatados pelo exame das duas primeiras exigências. Seus projetos técnicos foram classificados como "atendendo tecnicamente às necessidades do Sivam".
O custo dos equipamentos e serviços na proposta da Raytheon era apenas 4% menor que o cobrado pela Thomson, o que era considerado "desprezível" pelo governo brasileiro.
O desempate aconteceria no exame das propostas de financiamento. No primeiro exame destas propostas, em 30 de maio de 94, o governo não aceitou as alternativas propostas nem pela Thomson nem pela Raytheon.
As duas propostas tinham o mesmo vício, segundo o governo. Não ofereciam financiamento completo para o Sivam e propunham que o Brasil buscasse parte dos recursos para o projeto nos mercados de capitais.
O governo deu prazo até setembro de 94 para que as empresas apresentassem novas propostas de financiamento.
No início de setembro, a Thomson revelou ao governo brasileiro sua carta escondida. A empresa propunha que o Brasil emitisse títulos públicos no valor de US$ 595 milhões (R$ 524,8 milhões) para financiar parte do projeto.
O truque é que o governo francês garantiria a compra destes títulos e os manteria sem negociação por 20 anos. Isto equivalia a um financiamento indireto, mas garantido, do governo da França para o Sivam.
Militares envolvidos com o Sivam descobriram que esta proposta vazou para os americanos. Com isto, e tendo o apoio do governo dos EUA, a Raytheon conseguiu armar um novo esquema financeiro, que oferecia empréstimos capazes de sustentar totalmente o Sivam.
A primeira proposta de financiamento apresentada pela Raytheon propunha uma linha de crédito do Eximbank, banco de investimentos ligado ao governo dos EUA. O empréstimo seria de US$ 601 milhões (R$ 530,08 milhões), com juros de 9,03%.
Na segunda proposta, esta linha de crédito subiu para US$ 793 milhões (R$ 699,4 milhões), com juros de 6,92%. Essa taxa está abaixo das praticadas no mercado internacional neste tipo de operação.
A Raytheon completou sua proposta captando recursos no mercado norte-americano. A própria empresa emprestou US$ 239 milhões (R$ 210,80 milhões) para o Brasil financiar o Sivam.
O jornal "The New York Times" revelou em fevereiro que agentes da CIA teriam interferido na negociação do Sivam.
Estes agentes teriam descoberto e denunciado ao governo brasileiro que a Thomson tentava subornar funcionários do Brasil envolvidos com o projeto. A denúncia teria favorecido a Raytheon.
Dias depois, o governo da França expulsou do país cinco americanos suspeitos servir à CIA (Agência Central de Inteligência).

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