São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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O BC não "piscou"

LUÍS NASSIF
O BC NÃO "PISCOU"

Com as mudanças na política cambial, anunciadas ontem, o Banco Central conseguiu fazer a travessia para um novo modelo cambial sem "piscar". No México, o BC "piscou" na hora de mudar o câmbio —isto é, mostrou insegurança— e não sobrou nada. Nem o PRI.
Desde dezembro, com a crise mexicana, a equipe econômica já tinha dado a mão à palmatória e admitido a necessidade de mudar o câmbio, a fim de recuperar os superávits comerciais. Mas a mudança tinha que ser bastante cautelosa, para não sinalizar nem indecisão nem pressa para o mercado.
Para decidir se compra ou vende dólares, o investidor compara o que ele ganharia ficando com reais (taxas de juros nas aplicações internas) e com os dólares (taxas de juros internacionais mais a eventual valorização do dólar no período).
Em julho, o investidor sentiu que as aplicações em real seriam mais lucrativas. Houve uma corrida de venda de dólares, que derrubou sua cotação em 15%.
Agora, precisava-se seguir o caminho inverso, mas sem corridas. Senão, a corrida aceleraria ainda mais a valorização do dólar. E quanto mais se valorizasse, mais aumentaria a corrida.
A maneira de equilibrar os pratos da balança seria balizar a valorização do dólar com o nível de rentabilidade das aplicações em cruzeiros. Se o investidor sente que o dólar vai se valorizar, digamos, 15% num certo período, mas aplicando no mercado financeiro ele receberá remuneração equivalente, não haverá motivo para corridas.
Reajuste monitorado
A fórmula seguida pelo BC seguiu esse caminho. Primeiro, ampliou as "bandas" de flutuação do dólar em duas etapas —ou seja, a distância entre o "piso" (a partir do qual ele entra comprando dólares para impedir sua queda) ou do "teto" (a partir do qual ele entra vendendo dólares para sustar sua alta).
Antes, o dólar flutuava até um máximo de R$ 0,86. A partir de ontem —até 2 de maio— o que era teto (0,86) passou a ser piso e o novo teto subiu para R$ 0,90. Com o teto anterior sendo igual ao novo piso, não houve sobressaltos na passagem para o novo modelo.
Na segunda etapa —a partir de 2 de maio—, a banda de flutuação aumenta. Fica o mesmo piso da etapa anterior (0,86), já que não haverá mais problemas de passagem para o novo modelo, e o novo teto aumenta para R$ 0,98 —uma diferença de 14% em relação ao piso atual.
Significa que vai haver uma máxi de 14% no período? Não necessariamente. Nesse período, o dólar poderá estar no teto, ou no piso, ou no meio do caminho. Com essa faixa para oscilar, não há risco de o mercado interpretar como reindexação da moeda.
Mas a ampliação da banda poderia estimular apostas especulativas do mercado.
Para tornar o caminho mais claro, o BC anunciou uma venda a termo de dólar, por R$ 0,93, para o dia 2 de maio. O exportador que parou para fazer contas descobriu que esse valor corresponde ao valor do dólar hoje —R$ 0,865— corrigido até 2 de maio pelas taxas de juros dos Certificados de Depósitos Interbancários (CDI).
Ou seja, o BC "sinalizou" que o ritmo de valorização do dólar, no período, limitar-se-á a acompanhar o nível das taxas de juros internas. Nada de inflação, indexação e quetais.

Explicações
Não se procure na visita do presidente ao Chile, nos últimos episódios envolvendo a Argentina, ou em mudanças no mercado internacional o anúncio das medidas de ontem.
O motivo de toda a pressa foi uma pequena nota do secretário do Tesouro Murilo Portugal informando sobre o primeiro déficit no Tesouro nos últimos oito meses. Se solta no vazio, essa informação poderia botar fogo no mercado.

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