São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 1995
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Crise no câmbio ameaça Real e governo de FHC

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo FHC está correndo um risco fatal com a nova política cambial. Se der errado, como deu nos primeiros quatro dias de aplicação, o governo estará no pior dos mundos: perdendo reservas, com o programa de estabilização comprometido e, em consequência, sem força política para liderar as reformas constitucionais.
Se isso acontecer, FHC não terá alternativa senão mudar seu governo, a começar pela substituição da equipe econômica. O jogo ainda não está nesse ponto, mas os próximos dias são decisivos.
Até a semana passada, o êxito do Plano Real dava ao governo força política para encaminhar as reformas constitucionais.
FHC e a equipe econômica do Real sempre disseram que a estabilidade duradoura dependia dessas medidas. Sabiam que, sem essas reformas, o plano não se sustentaria a médio prazo, especialmente por causa da excessiva desvalorização do dólar.
Mas FHC e seus economistas achavam que o plano se aguentava por mais um ano, de modo que haveria tempo para encaminhar as reformas no Congresso. Essa era uma expectativa razoável quando FHC ganhou as eleições.
Começou a deixar de ser a partir da crise do México, no final de dezembro. A durabilidade do Plano Real certamente diminuiu. Isso exigia o apressamento das reformas e a demonstração de liderança política no seu encaminhamento.
Incapaz disso, o governo antecipou as mudanças no Real. E fez o que o presidente e sua equipe econômica diziam que não fariam, a desvalorização do real. E ainda fez isso atrapalhadamente.
Incorreu assim num erro semelhante ao cometido pelo governo mexicano: a má administração da moeda. Aconteceu então o que previam os especialistas que se opunham à desvalorização do real neste momento: ninguém acreditou que a desvalorização seria apenas do tamanho anunciado pelo BC, presidido por Pérsio Arida.
Em política cambial, é essencial a segurança do BC. E o BC brasileiro falhou ao dizer que a desvalorização do real tinha um limite, mas este podia ser ultrapassado. Todo mundo começa a comprar dólar hoje porque amanhã pode ser mais caro. E as cotações sobem.
O BC brasileiro tinha US$ 36 bilhões de reservas no final de janeiro.Ontem as estimativas indicavam que as reservas já tinham caído para US$ 30 bilhões.
Ainda é suficiente para o BC enfrentar o mercado, vender dólares e forçar as cotações para baixo.
Mas há um limite para essas perdas. Um país sem dólares para cumprir seus compromissos está liquidado. Assim, num determinado momento, o BC terá de parar de vender dólares.Se até lá o mercado tiver se acalmado e aceito a nova política cambial, o governo passou a tempestade. Se não, acabou-se o governo.
As principais críticas dizem que o governo se atrasou na mudança cambial. Mas quem garante que, fazendo antes, seria diferente?
Pode-se também dizer que se não fizesse nada, o governo estaria hoje como estava na semana passada. Bem melhor, com dólar estável, poucas saídas e muita entrada através dos exportadores. O governo poderia ter mantido a aposta no Real tal como estava. Por quanto tempo? Ninguém pode dizer. O certo é que o governo atrasou as reformas e decidiu mexer no câmbio num momento adverso do cenário internacional. E se deu mal.

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