São Paulo, sábado, 11 de março de 1995
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Vitória por pontos

A vitória de ontem do governo na luta contra a especulação cambial está por enquanto assentada num instrumento de força que é, paradoxalmente, também um ponto frágil: a elevação dos juros à estratosfera pelo Banco Central.
É uma demonstração de força, pois é mais difícil optar por comprar moeda estrangeira diante da alternativa de um retorno financeiro tão sideral. Mas não se pode imaginar que tanto a economia real quanto as contas públicas suportem a convivência com tamanho arrocho financeiro indefinidamente. Urge encontrar outras formas de apoio à política cambial capazes de reverter de modo duradouro o comportamento de manada em que se converteram as ondas especulativas da semana passada.
Há dois tipos de decisão que será crucial acompanhar nos próximos dias. Em primeiro lugar, será importante monitorar no dia-a-dia o movimento de fechamento dos contratos de câmbio de exportação e importação. É certo que eles também serão estimulados pela alta taxa de juros, mas refletirão ao menos em parte a própria confiança das empresas exportadoras no sistema de bandas cambiais.
Em segundo lugar, talvez até mais crucial, está a observação cotidiana das operações de fechamento de câmbio financeiro, da evolução do ágio do dólar flutuante e da colocação de títulos públicos denominados em dólares. Esses instrumentos sinalizarão a disposição das empresas e das instituições financeiras de realmente avalizar a política do governo. Ontem o ágio mostrou um inquietante vigor e a colocação de papéis dolarizados do Banco Central deixou a desejar.
Não se pode ocultar a natureza da crise dos últimos dias: trata-se de uma crise de confiança. A história econômica e a experiência contemporânea mostram que nem sempre os juros altos são suficientes para refrear a fuga de capitais se a confiança não retorna. Nesse aspecto, uma melhora nas condições internacionais pode ser crucial.
Os mercados de câmbio transformaram-se nos últimos dias num autêntico ringue onde governo e mercado disputaram uma luta de regras imprecisas e mutáveis. Chegou-se afinal, ontem, a uma vitória do governo. Mas foi no máximo uma vitória por pontos. O adversário continua de pé, aparentemente disposto a novas conflagrações.

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