São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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General aponta ligação entre os casos Herzog e Riocentro

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 05/04/95
Nunca foi segredo que o regime militar foi composto por várias facções e lideranças que divergiam entre si. Mas a extensão das divergências sempre esteve num limiar nebuloso e impreciso.
O livro "A Volta aos Quartéis: a Memória Militar sobre a Abertura" (329 págs., editora Relume Dumará), dedica-se a examinar esse período da história recente do país. Expõe as clivagens internas da caserna. Mostra quem era a favor de quem. E quais eram os rachas dentro do regime militar (1964-1985) de uma forma inédita.
Com depoimentos de 13 militares, o livro foi escrito pelo sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares, 60, pela cientista política Maria Celina D'Araujo, 37, e pelo antropólogo Celso Castro, 31. Começa a ser distribuído para todas as livrarias do país esta semana.

Conexão
A revelação mais contundente do livro reside no estabelecimento de uma possível conexão entre três episódios marcantes da metade final do regime militar: as mortes do jornalista Vladimir Herzog (1975) e do operário Manuel Fiel Filho (1976) e a explosão de uma bomba no Riocentro (1980).
Herzog morreu no interior do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo. Foi encontrado no interior de sua cela, enforcado com um cinto. Os militares sempre sustentaram que o jornalista havia se suicidado. A morte de Fiel Filho, também no DOI-CODI, foi apenas anunciada.
O caso do Centro de Convenções do Riocentro, no Rio, ocorreu durante um show no dia 30 de abril de 1981 que comemorava o próximo Dia do Trabalho. Duas bombas explodiram.
Uma da bombas estava dentro de carro Puma, deixando gravemente ferido o capitão Wilson Machado e matando o sargento Guilherme do Rosário, ambos ocupantes do automóvel. A outra bomba estava dentro da casa de força do centro de convenções.

O mesmo coronel
"Poucos sabem, mas há nesses casos uma coincidência intrigante. Na ocasião das mortes do Herzog e do Fiel Filho, quem chefiava a 2ª Seção do 2º Exército era o coronel José de Barros Paes (...). Quando houve o episódio do Riocentro, o Paes servia na 2ª Seção do 1º Exército (...). Simples coincidência? Não sei", diz o general de brigada Gustavo Moraes Rego Reis nas páginas 86 e 87.
Moraes Rego, 75, hoje na reserva, foi o chefe de gabinete de Ernesto Geisel na presidência da Petrobrás. Com a ascensão de Geisel à Presidência do país, em 1974, passou a ser seu assessor especial.
O coronel José de Barros Paes estaria hoje na reserva. Mas seu nome não consta dos registros da Diretoria de Inativos e Pensionistas do Exército.

O caso Frota
A demissão do ministro do Exército Sylvio Couto Coelho da Frota em 12 de outubro de 1977 foi um dos momentos mais críticos do processo de abertura política no país. Inconformado, Frota divulgou um manifesto de oito páginas criticando ferozmente o rumo político do governo do presidente Ernesto Geisel.
Considerado um frotista, sinônimo de linha dura, o ex-governador de Rondônia e hoje general da reserva Enio dos Santos Pinheiro, 80, relata com detalhes o dia da demissão de Frota, segundo o próprio ex-ministro teria lhe contado:

"Quero meu cargo"
"O presidente Geisel o tratou muito mal. Quase o agrediu. Frota chegou para a conversa e disse: 'Bom, presidente, o que o sr. deseja?' Ele disse: 'Quero o meu cargo!' Mostrou um decreto já assinado por ele e continuou: 'O cargo é meu!' Já lhe disse, o cargo é meu! Assina!' O general Frota respondeu: 'Não vou assinar. O cargo é seu, mas quem o está ocupando sou eu. E o sr. tem todos os meios para me botar para fora. Não vou sair por espontânea vontade, salvo se o sr. me responder às seguintes perguntas: eu o traí? Fiz qualquer ato contra a sua administração? Provoquei-lhe qualquer problema no meio político?' Geisel respondia: 'Não.' Diante disso, o general Frota disse: 'Então, não tenho razão para sair espontaneamente. Não vou assinar coisa nenhuma.' E o Geisel: 'O sr. vai! Até logo! O cargo é meu! O cargo é meu!' Foi um inferno. Quando Frota chegou na porta do gabinete, o presidente disse assim: 'Frota, eu não queria que você ficasse meu inimigo por causa dessas coisas que eu disse.' Como é que se pode entender isso?"
O ex-ministro Sylvio Frota foi convidado a participar do livro "A Volta aos Quartéis", mas recusou-se a dar entrevista.

Entrevistas
As entrevistas para o livro foram todas gravadas entre 1992 e 1994, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Depois de transcritas as fitas, os autores enviaram os textos para que os militares fizessem a revisão que julgassem necessária.
Só depois da revisão dos textos é que o livro foi editado. Além disso, os militares concordaram em assinar um termo atestando a veracidade das declarações e autorizando a publicação.

Roupa suja
Um outro interesse do livro é o de expor as críticas internas entre os militares. O mais criticado é o último presidente militar, João Baptista Figueiredo, que governou de 1979 a 1985.
"Figueiredo não era um homem com capacidade para ser presidente da República (...). Era um homem que trabalhava muito pouco", declara o general da reserva Carlos de Meira Mattos, 82, que foi subchefe do Gabinete Militar da Presidência, em 1965, então comandado por Ernesto Geisel.
"João Baptista de Oliveira Figueiredo é o maior de todos os traidores da Revolução", diz, sem dar mais detalhes, Cyro Guedes Etchegoyen, 66, coronel da reserva, que serviu no gabinete do ministro do Exército Orlando Geisel, de 1970 a 1974. Para o brigadeiro da reserva João Paulo Moreira Burnier, Figueiredo "não sabia pesar a responsabilidade e as obrigações de um primeiro mandatário do país e provocava comentários desairosos em relação à sua vida particular". Burnier, 76, foi um dos organizadores do Centro de Informações da Aeronáutica, órgão que chefiou até 1970.

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