São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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E compensa, sô

RICARDO SEMLER

RICARDO SEMLER
Você fica pensando nas chances. Qual a possibilidade de se dar mal? Pequena. Refiro-me à recente notícia de que centenas de ordens de prisão contra empresários estão sendo expedidas, em razão de crimes contra a Fazenda.
Aliás, tão bucólico título, Fazenda... sempre me lembra senhores de ternos brancos, chapéus panamá, sentados na varanda com um bourbon na mão e um cigarro de palha pendente dos dedos cheios de anéis, contando cabeças de gado ao longe, como se ICMS fossem.
Sai o mandado de prisão, o que, em si, já ostenta ares de picardia. Há tantas dezenas de milhares destes mandados pendentes, que a chance de receber um é de estatística duvidosa. Especialmente se você estiver de súbitas férias, tiver primos no interior ou pegar pela frente um oficial mais compreensivo.
Se você for pai de família (mãe não serve), tiver endereço conhecido ou for réu primário, tudo não passará de leve constrangimento. A prisão será relaxada (o nome já diz tudo). Aí você volta pra casa, fazendo contas.
Qual a vantagem de ser Raul Pellegrini, este herói que, depois de velho e muito sacana, se regenera à imagem de donos de televisão? Só na fantasia cafona da subliteratura televisiva.
Você não. Pede para a esposa ir buscar, deixando o carro lá na esquina. Afinal, quantos conhecem a Farmácia Nova Adrenalina ou a Metalúrgica Bomdeferro?
Se toda denúncia de jornal ou revista acabasse em mandado de prisão, não haveria estádio para acolher os culpados. As capas de revista que explodem com denúncias bem comprovadas, então? São remetidas ao Tietê. Os empresários com processos-crime contra eles são quase todos ladrões de galinha.
Alguns peixões até passam para sujar o dedão, mas nunca passa disso. Nada a ver com o ministro da Justiça de plantão, ou mesmo com o ar intimidador de secretários da Fazenda. Sonegadores costumam ser covardes e alguns se borram com esbravejadas oficiais, mas logo se recuperam.
A pergunta essencial que você se faz é se vale a pena a retidão, não é mesmo? É só olhar com cuidado —boa parte dos carros importados, dos apartamentos chiques e dos comensais de restaurantes extravagantes é composta por donos de negócios que permitem o caixa-dois.
Somos hoje um país impulsionado por muambeiros metidos a grã-finos, que sabem que vale a pena arriscar. O nível de propinas utilizadas para sair de enrascadas é desconhecido. Não há como medir o nível de suborno de dez ou 50 anos atrás, ou de hoje, mas não há por que acreditar que tenha diminuído um mícron sequer.
Ninguém está disposto a ser o primeiro a mudar, ninguém acha que uma andorinha faz o verão. Por que abrir mão de um videocassete ou um carro novo em favor de um tal de governo no qual você não põe qualquer fé? Por que, no país das sacanagens que ainda vivemos, você vai ser o único santinho?
É só ter um pouquinho de sangue frio. Se os homens descobrirem, se a imprensa anunciar, se o camburão parar na porta, relaxe. As suas chances de sucesso ainda são enormes. E, mais gostoso, todo aquele dinheiro que foi "separado" continuará intocado, esperando sua atenção e carinho. Ou o PC tá pobre?
Portanto, é aproveitar enquanto pode. Depois, sempre há um jeitinho. Aos empresários com mandados de prisão, asseguro: não vai acontecer quase nada. Fiquem frios. Valeu a pena, vocês venceram. Felicitações, e bom proveito de caixa.

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