São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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O livre mercado do acasalamento

ROBIN DUNBAR
DA "NEW SCIENTIST"

"Profissional liberal de 45 anos, procura Vênus esbelta e atraente de 25 a 30 anos para companhia no fim-de-semana".
"Bela mulher de 25 anos, gosta de se divertir, procura companheiro carinhoso, instrução superior, não-fumante, de 30 a 35 anos, com bom senso de humor".
As colunas dos "classificados do coração" oferecem um interessante vislumbre dos processos de negociação subjacentes a nossa escolha de parceiro/a, uma idéia do tipo de qualidades que as pessoas procuram num parceiro e as qualidades que acreditam que um possível parceiro talvez procure nelas. Equivalem aos lances iniciais numa negociação que às vezes se prolonga, desembocando em algum tipo de relacionamento duradouro ou casamento.
A maioria das pessoas aceita como normais as regras não-escritas destes lances contratuais.
Aceitamos como normal o fato de que seja mais fácil para mulheres mais jovens atrair homens que sejam "bons partidos". Também consideramos normal que homens milionários de meia-idade tenham mais chances de se casarem com modelos de 20 anos do que seus coetâneos mais pobres.
Mas quais são as origens destas preferências, e até que ponto elas influem sobre nossa busca por parceiros?
Um conhecido estudioso do "jogo de acasalamento" humano é David Buss, psicólogo da Universidade de Michigan em Ann Arbor. Ele analisou questionários sobre preferências conjugais preenchidos por 10.047 pessoas em 37 países, desde Austrália e Zâmbia até a China e os EUA.
As mulheres, independentemente da cultura nacional à qual pertenciam, tendiam a se mostrar mais seletivas do que os homens, avaliando seus parceiros potenciais com base numa gama muito mais ampla de critérios sociais e de personalidade.
Elas também valorizavam o status e potencial para ganhar dinheiro dos potenciais parceiros mais do que os homens, enquanto os homens valorizavam mais a juventude e a aparência física das potenciais parceiras.
As tendências constatadas nos classificados do coração se encaixam no que se poderia esperar quando se leva em conta considerações evolutivas.
No mundo darwiniano, cada indivíduo procura (inconscientemente) maximizar sua contribuição ao pool genético da espécie humana, produzindo o maior número possível de tratamentos. Mas os processos biológicos de reprodução têm implicações muito diferentes para o comportamento masculino e feminino.
Entre os mamíferos, os prolongados processos de gestação e lactação significam que os machos não podem fazer qualquer grande contribuição direta para o trabalho de reprodução após a concepção.
Assim, os machos interessados em maximizar seu êxito reprodutivo têm apenas uma opção: fertilizar o maior número possível de óvulos. Isso significa procurar uma parceira jovem e fértil que tenha muitos anos de fertilidade pela frente, ou casar-se com o maior número possível de mulheres ao mesmo tempo.
As fêmeas, por outro lado, estão melhor colocadas para influir diretamente sobre o desenvolvimento de seus filhotes. Isso significa que é mais provável que enfatizem o trabalho de criar sua prole e buscar machos que disponham de recursos úteis —ou seja, homens mais velhos que tenham renda e status estabelecidos. Mas esta é uma peculiaridade do fato de sermos mamíferos. Se a biologia reprodutiva humana fosse mais semelhante à das aves ou dos peixes, a situação seria outra.
Por que os homens valorizam tanto a beleza física nas mulheres? Mais uma vez, segundo a biologia, a resposta está na busca por sinais físicos ligados a idade, saúde e, em última análise, fertilidade —sinais que, no mundo convencional de nosso passado evolutivo, eram difíceis de falsificar.
Medida de fertilidade
Tomemos o caso do corpo feminino com formato "ampulheta" ou "violão". A experiência comum sugere que os homens geralmente preferem mulheres que apresentem uma proporção baixa entre cintura e quadris, e as pesquisas confirmam.
O psicólogo Devendra Singh, da Universidade do Texas em Austin, fez com que 195 homens com idades entre 18 e 85 atribuíssem "notas" a desenhos de mulheres de diferentes tamanhos e formas. As maiores "notas" foram atribuídas às mulheres com proporção 0-70 (as mulheres saudáveis na casa dos 20 anos costumamm ter proporções entre 0-67 e 0-80). É pouco provável que essa preferência seja um acaso da moda. As mulheres com proporção baixa entre cintura e quadris são, em média, mais férteis do que as que têm uma proporção mais alta. Ingressam na puberdade mais cedo e, segundo estudos com mulheres casadas, concebem mais facilmente.
Embora ainda não sejam conhecidas as razões precisas deste fato, ele quase certamente está relacionado ao "efeito Frisch", identificado pela primeira vez pela bióloga reprodutiva norte-americana Rose Frisch: as mulheres só ovulam quando a proporção entre a gordura e a massa corporal inteira atinge determinado nível. Os quadris e as coxas largas que conferem às mulheres seu formato "ampulheta" ou "violão" se devem, em grande parte, a depósitos naturais de gordura nessas áreas. Parece que as "cinturinhas de pilão" e as anquinhas (armações de arame com que se estufavam as saias) da era vitoriana talvez tenham sido tentativas de anunciar sinais de fertilidade.
Rostos
Nossas idéias sobre as características que compõem um rosto bonito podem também se originar nas diferentes estratégias reprodutivas dos dois sexos. Algumas das mais recentes e mais diretas evidências disto foram encontradas por David Perrett, neuropsicólogo na Universidade de St. Andrews, em Fife, e seus colegas. Utilizando desenhos compostos a partir de diferentes traços de rostos "favoritos", eles conseguiram determinar as características que as pessoas acham mais atraentes.
As mulheres parecem achar especialmente atraente nos homens as características indicativas de maturidade sexual, como maxilar forte e queixo proeminente, além de traços como olhos grandes e nariz pequeno.
O que atrai os homens, nas mulheres, são as pupilas grandes e olhos bem espaçados, maçãs do rosto altas, queixo e lábio superior pequeno e boca generosa. Muitos desses traços femininos são característicos de crianças, e talvez funcionem como indícios de alto nível de fertilidade. Os homens também são atraídos por cabelos macios e brilhantes e por pele macia e lisa —as próprias características que a indústria cosmética sempre procura promover. Ambos são produtos de altos níveis de estrogênio, e são, portanto, indícios de juventude (logo, fertilidade), difíceis de imitar.
Beleza racial
Além disso, as pessoas de diferentes raças e culturas tendem a ter as mesmas idéias sobre o que constitui beleza. Michael Cunningham, psicólogo da Universidade de Louisville, Kentucky, pediu a pessoas de diferentes origens raciais que atribuíssem pontos a vários rostos de diferentes origens étnicas, por nível de beleza. Houve um surpreendente concordância em relação aos traços que constituem um rosto bonito.
Basicamente, são qualidades que lembram uma criança, nas mulheres, e indícios de maturidade, nos homens. Talvez a beleza não esteja nos olhos de quem a vê, afinal.
Negociação
Mas a maioria de nós não possui o encanto juvenil dos astros de cinema. Pior: só somos da idade "certa" por um curto período de nossas vidas.
Então como nós, comuns mortais, devemos fazer para encontrar parceiros? Neste ponto a teoria evolutiva aponta o mesmo caminho que o pragmatismo frio: ajuste sua estratégia para fazer o melhor possível com o que você tem em mãos. Em outras palavras: reduza suas expectativas e contente-se com menos.
É exatamente isso que acontece nos classificados do coração.
No estudo que Waynforth e eu fizemos dos classificados americanos, constatamos que as pessoas ajustam seus lances em função de suas próprias circunstâncias.
As mulheres mais velhas (logo, menos férteis) exigiam menos dos potenciais parceiros do que as mais jovens. Entre mulheres da mesma idade, as que se consideravam fisicamente atraentes se mostravam mais exigentes do que aquelas que não mencionavam sua aparência. Se você acha que tem um bom jogo na mão, você aposta alto para conseguir o melhor possível.
Os homens dos classificados do coração também modificavam seus lances —não em função de sua aparência, mas de suas posses. Entre homens da mesma idade, aqueles que anunciavam características indicativas de riqueza e status se mostravam significativamente mais exigentes em relação a potenciais parceiras do que os outros.
Mostravam, por exemplo, menos tendência a tolerar filhos de um relacionamento anterior. E, diferentemente de suas equivalentes femininas, os homens solitários exigiam mais de suas possíveis parceiras à medida que se tornavam mais velhos, refletindo sua crescente força nesse jogo de pôquer.
Mas o ponto crucial chegava na meia-idade. Os anunciantes com mais de 55 anos reduziam suas exigências, possivelmente compreendendo que a mortalidade os transformava em aposta progressivamente mais arriscada.
Esse tipo de sensibilidade às circunstâncias pode operar até mesmo em encontros relativamente casuais entre homens e mulheres.
James Pennebaker, psicólogo da Universidade de Virginia, pediu a homens e mulheres (sóbrios) em bares que atribuíssem pontos por atratividade aos outros fregueses, numa escala de 1 a 10.
À medida que a noite avançava e aproximava-se a hora do bar fechar, e portanto aumentava a probabilidade de terem que ir para casa sozinhas, as pessoas começavam a julgar os membros do sexo oposto cada vez mais atraentes.
À meia-noite as pessoas eram consideradas em média 20% mais atraentes do que haviam sido consideradas às 21h. Parece que as pessoas reduziam progressivamente seus padrões de exigência com relação a parceiros sexuais, à medida que a perspectiva de fracasso se aproximava.
Como as solteironas disponíveis descritas pela escritora Jane Austen, elas desistiam de concorrer pelos parceiros mais desejáveis quando começavam a sentir que o tempo corria contra elas.
As crianças são uma grande desvantagem para quem procura um novo relacionamento mais tarde na vida. Um estudo feito na Alemanha por Eckhart Voland, demógrafo histórico na Universidade de Giessen, constatou que jovens viúvas camponesas nos séculos 18 e 19 tinham 17% mais chances de um segundo casamento se o filho de seu primeiro casamento tivesse morrido.
Constatamos uma tendência mais ou menos análoga em uma amostra de classificados do coração dos EUA. As mulheres que afirmavam ter filhos de um relacionamento anterior faziam exigências significativamente menores do que aquelas que não tinham filhos: entre mulheres da mesma idade, as que não tinham dependentes pediam quase duas vezes mais qualidades num potencial parceiro do que as que tinham filhos dependentes.
Homossexualismo
O que acontece quando a reprodução deixa de ser um fator em jogo? Será que as teorias sugerem que os homossexuais que colocam anúncios nos classificados do coração deveriam moderar suas exigências segundo suas circunstâncias pessoais?
Para descobrir a resposta, Waynforth e eu examinamos anúncios publicados num jornal gay americano e os comparamos a anúncios publicados por heterossexuais em outros jornais.
Constatamos que as mulheres heterossexuais mostram três vezes mais interesse por dinheiro e status do que as lésbicas, e que os homens gays oferecem essas qualidades 50% menos do que os heterossexuais.
As mulheres heterossexuais anunciam seus atrativos físicos quatro vezes mais do que as lésbicas, enquanto os homens gays procuram esses atrativos 50% menos do que os heterossexuais. Ou seja: quando desaparece o fator reprodução, as prioridades mudam.

Tradução de Clara Allain

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