São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Buraco negro tropical

MARIO VITOR SANTOS

Deve haver alguma explicação científica, algum 'campo energético' especial que afete só o Brasil e faça com que as regras da competição capitalista, no país, só funcionem para o mal
Cientistas americanos comprovoram a existência da última partícula ainda desconhecida da matéria, o top quark. A conquista culmina décadas de pesquisas de centenas de físicos e abre perspectivas transcendentes.
A hipótese é que o universo surgiu de uma explosão inicial, o Big Bang, num instante entre 10 e 20 bilhões de anos atrás.
Os físicos dizem que agora, quando está mais consistente o modelo que explica o advento do mundo, poderão investigar outros fenômenos —estes talvez ainda mais intrigantes— ligados aos fundamentos do universo, na fronteira que une física e metafísica.
Como tudo, desde uma gota d'água até a estrela mais distante, é feito dos invsíveis e efêmeros quarks, eles dizem ter condições de descobrir se toda a massa e a energia existentes no cosmo está disposta de maneira aleatória ou se obedece a um plano fundamental unificador. Se for, qual seria este plano?
Acredita-se que os quarks podem desempenhar papel fundamental na comunicação com esse campo de energia todo-poderosa que impregna a constitui tudo.
A ciência que ousa agora desvendar os mais sagrados e insondáveis segredos não consegue penetrar fenômeno mais banal, vsível e concreto: por que os preços no Brasil são tão caros em relação, por exemplo, a seus similares americanos?
Veja-se o exemplo do material escolar, cujos preços foram pesquisados em supermercados americano e brasileiro.
No Brasil, embalagem com quatro lápis pretos custa R$ 1,26. Nos EUA, oito lápis pretos com borracha saem pelo equivalente a R$ 1,25. Lancheira brasileira com garrafinha custa R$ 13,00. A equivalente americana, só R$ 1,67. Tubo de cola de 40 gramas custa R$ 0,50. Para o consumidor americano, na média incomparavelmente mais rico, a embalagem de cola, com 120 gramas, vale R$ 0,53.
É claro que os responsáveis por esses preços vão alegar que existem diferenças importantes na estrutura de impostos do Brasil e dos Estados Unidos, onde efetivamente o governo procura incentivar a produção pela redução dos tributos.
Por outro lado, o salário mínimo no Brasil é vergonhoso, um dos mais baixos do mundo, e isso parece não contribuir em nada para restringir os preços. Nas épocas de maior procura, como no início do ano escolar, os especuladores agem à solta no Brasil.
Em quase todos os itens a história se repete, os ricos americanos pagam menos do que os pobres brasileiros. Deve haver alguma explicação científica, algum "campo energético" especial que afete apenas o Brasil, e faça com que as regras da competição capitalista só funcionem para o mal.
Lanço aqui um desafio aos pesquisadores que queiram atingir a fama ao revelar os fundamentos do mistério: está aberta a temporada de caça ao tupiniquark, origem e destino dessa nossa maldição.

Texto Anterior: Cabeça iluminada; "É tudo, é tudo!"
Próximo Texto: "500 Receitas"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.