São Paulo, terça-feira, 14 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Delírios ministeriais

JOSÉ ROBERTO DE FELÍCIO

De boas intenções o inferno está cheio. Governo novo também. Pelo menos é isso que se pode concluir das primeiras propostas do Ministério da Educação para o ensino superior.
Depois de anunciar, de forma completamente precipitada, uma verdadeira revolução no sistema de ingresso nas universidades, o Ministério volta a ser notícia com uma idéia fantástica: exame de ordem para todas as profissões.
De amanhã em diante, todo engenheiro, dentista, médico só poderá exercer a sua profissão se for aprovado em um exame milagroso, aplicado por não se sabe quem, de uma forma que ainda estamos estudando. A tradução é a seguinte: deixa-se de controlar a produção para controlar o produto.
Façamos um paralelo. Imagine que o ministro da Saúde, Adib Jatene, resolvesse fazer a mesma coisa com os usuários do sistema de saúde. Isso mesmo. Nada de controlar os laboratórios que, afinal, são apenas os fabricantes dos remédios.
O remédio não funcionou? O paciente morreu? A culpa certamente é do usuário, dirão os especialistas, que não soube escolher o laboratório. O governo não precisa se preocupar com a fiscalização, porque a opinião pública acabará descobrindo quem oferece bons serviços.
É claro que, depois de algum tempo, os alunos vão deixar de procurar aquelas escolas que se revelarem incapazes de aprová-los no exame da "ordem". Mas o problema persiste porque eles simplesmente não terão para onde ir. As escolas que oferecem ensino de qualidade aceitável são poucas e todo mundo sabe quais são.
Estamos diante de uma confusão entre causa, sintomas, diagnóstico e cura. Se os profissionais não preenchem os requisitos mínimos para exercer a profissão é porque as escolas não estão cumprindo bem o seu papel. OK, mas a reprovação em um exame desses é apenas um sintoma.
Falta qualidade inclusive a muitas escolas públicas. Nesse caso fica colocada a questão: elas serão fechadas? E aí vamos dar bolsas de estudo para que o pessoal das várias regiões do Brasil —onde não existam boas escolas— possa vir fazer a graduação na USP? Ou será que vamos criar cursinhos pós-faculdades para "treinar" os recém-formados para o exame?
A verdade é que o controle das escolas tem de ser feito em tempo real. É ridículo permitir que centenas de pessoas frequentem (e paguem) uma escola, durante quatro ou cinco anos, e sejam depois impedidos de entrar para o mercado de trabalho. Ainda mais quando esse mercado é carente de profissionais minimamente qualificados.
A cura, porém, não se dará unicamente através da fiscalização. O exemplo da Capes —órgão do próprio ministério que há mais de 20 anos cuida da pós-graduação— ensina que é preciso premiar e apoiar quem trabalha bem.

JOSÉ ROBERTO DRUGOWICH DE FELÍCIO, 41, é professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto e do Instituto de Física de São Carlos da USP.

Texto Anterior: Mulher aborta e joga o feto em galinheiro
Próximo Texto: Litoral norte de SP decreta estado de alerta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.