São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 1995
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Graham Bell está se revirando no túmulo

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

O telefone sempre foi, para mim, um misterioso objeto que fica só um pouquinho além do alcance de minha compreensão.
É difícil para mim passar por todos aqueles números de código e chegar à pessoa com quem quero falar, numa cidade distante. A pessoa do outro lado do número que eu chamo geralmente me fala, numa voz artificialmente simpática: "Telesp avisa: este número de telefone não existe".
Tenho saudades dos bons velhos tempos, quando tudo que você precisava fazer era tirar o enorme fone de ouvido preto (aparentemente feito de algum metal "amigável ao usuário", como chumbo) do gancho e pedir a alguma operadora humana de verdade, de voz esganiçada, para te ligar com tua namorada, Filomena.
Nossas companhias telefônicas gastam bilhões de dólares de nosso dinheiro em publicidade cara para convencer o usuário do telefone que estão fazendo um ótimo trabalho. A idéia que as companhias telefônicas fazem de um ótimo trabalho é manter você numa lista de espera por um telefone até teus filhos ficarem velhos e morrerem, e até que você desista da idéia de ter um telefone próprio.
Às vezes alguma coisa dá errado nos planos da telefônica, e teu nome chega a aparecer na minúscula lista de pessoas que, num toque de mágica, são autorizadas a comprar um telefone. Quando isso acontece, o único problema é que o telefone agora custa mais dinheiro do que você consegue ganhar em muito, muito tempo.
Agora então você precisa vender tua casa para arrumar o dinheiro para comprar o telefone. Já que você vendeu a casa, não tem um endereço onde o telefone possa ser instalado, de modo que a telefônica não deixa você ficar com ele.
Nos bons velhos tempos em que telefones eram telefones, todos eles vinham numa só cor, o preto. Eram tão pesados que costumavam ser usados no cinema como instrumentos de assassinato.
"Bom-dia! Meu nome é Rodolf Hitler. Vim instalar seu telefone.".
(Você) "Tarde demais, sr. Hitler. Meus filhos já morreram, e eu vendi esta casa para pagar o telefone que pedi muito tempo atrás, em 1894. Agora a única coisa que eu quero é vingança" (você arranca o instrumento preto pesado das mãos dele e desfere um golpe esmagador na cabeça de Hitler).
Parte da mística do jogo que as telefônicas jogam é o chamado ato da instalação.
Antes da época dos celulares, o objeto era ligado permanentemente à tua casa, e apenas funcionários altamente qualificados da companhia telefônica podiam desempenhar a complexa tarefa de "instalar" os telefones. Este ato envolvia fazer a ligação de dois fios —mas a telefônica fazia parecer que era algo tão complicado quanto uma cirurgia cerebral.
Se você ligasse para marcar uma hora para a instalação, a telefônica dizia: "Nosso instalador, o sr. Hitler, estará em sua área entre 9h do dia 1º de abril e a primavera seguinte. Haverá alguém em casa?"
Muito tempo atrás, na Pré-História da comunicação telefônica, tínhamos linhas "de festa", ou "party lines". Eram vários telefones em casas diferentes, mas todos ligados a uma única linha. Todo mundo podia ouvir as conversas dos outros, incluindo quando você ligava para teu médico para descrever detalhes hemorroidais dos mais íntimos.
O sistema "party line" levou a muita confusão e muitas mortes desnecessárias, de modo que a telefônica instalou um sistema pelo qual você pode falar com uma só pessoa de cada vez, embora não necessariamente aquela com quem você queria falar.
Quando você liga para uma grande loja de departamentos, uma companhia aérea ou um banco, nunca consegue falar de imediato com a pessoa que quer. As grandes empresas pagam funcionários para te manter esperando. Eles recebem por comissão: quanto mais pessoas mantêm esperando, mais ganham.
Existe uma nova tecnologia telefônica que está começando a pegar no Brasil. É o sistema de respostas automatizadas, e está se espalhando como câncer. É o sistema que elimina a telefonista humana e coloca em seu lugar um frio computador. Isso faz com que seja quase impossível conseguir falar com quem você precisa.
O inventor do telefone, Alexander Graham Bell, deve estar se revirando no túmulo. Se Bell estivesse inventando hoje, a anedota sobre sua descoberta teria sido diferente. Ele derruba um pouco de ácido na perna e quer chamar seu assistente para pedir ajuda.
Bell tira seu novo telefone do gancho e ouve: "Se você sabe o nome de seu médico e está num telefone de dígitos, pressione a tecla 1. Se você não sabe o nome dele, mas gostaria de sair com a irmã dele, pressione a tecla 2. Se você deseja fazer uma viagem à Bósnia, pressione a tecla 3. Se esta é uma emergência, favor digitar seus números de RG e CIC e os nomes de dois avalistas, depois pressione a tecla 4. Se você realmente deseja falar com seu assistente, aguarde na linha enquanto Eleazar de Carvalho rege a Orquestra Sinfônica Nacional, apresentando as obras completas de Beethoven".
Bell percebe, horrorizado, que em lugar de inventar o telefone, ele inventou a maldição de nossa época, o "voice mail".
Mas estou reclamando demais de nossa supermoderna companhia telefônica. Se você ler os anúncios dela, ficará sabendo que, embora nosso sistema telefônico seja um dos mais sofisticados no mundo, é tão simples que até uma criancinha consegue usar. Por exemplo: tenho uma amiga que tem um filhinho que mal consegue comer uma banana sem colocar mais banana no cabelo do que na boca, mas é perfeitamente capaz de ligar para Paris pelo DDD —e provavelmente liga mesmo.

Tradução de Clara Allain

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