São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Os justiceiros

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foi novidade. Foi mais uma de muitas manchetes sensacionalistas que surgem todo dia no Aqui Agora:
— Meninos de rua fuzilados na Grande São Paulo.
Por qualquer razão, não o número de mortos, mas talvez o fato de serem crianças, desta vez o crime foi elevado à condição de "chacina", na expressão do SBT, da Globo.
Foi um eco da chacina da Candelária. O horror, na descrição da Manchete:
— Três homens armados, depois de conversar com o dono da padaria, vieram em direção aos meninos, que estavam na praça. Os meninos, assustados, correram e se esconderam. Acuados, André, João e Isabel foram executados.
O horror, na entrevista com o dono da padaria:
— Você afirmou que os meninos chegaram a roubar aqui no comércio e a própria padaria, no ano passado. Você acredita que um comerciante tenha montado algum esquema para se livrar dos meninos?
— Eu creio que não, porque, mesmo que roubem, é pouca coisa, coisas fúteis.
O horror, na entrevista com uma moradora da praça:
— A senhora acredita que a chacina das crianças foi um crime encomendado?
— Encomendado.
— E quem está matando?
— Os justiceiros.
O horror, por fim, segundo a mãe de uma das vítimas:
— Eu falei, "volta pra casa, você me ama, vai acontecer, uma hora você vai morrer". "É, vou morrer logo." Falou ontem, hoje morreu.
A imagem do sobrevivente, um menino de 13 anos, se contorcendo na cama do hospital, com sangue no cobertor, não foi a que mais chocou.
Correndo atrás da chacina, a televisão descobriu os restos de outra execução, de uma outra criança, não longe dali. A descrição de uma moradora:
— Eu vi uma menina aqui. Estava amarrada e amordaçada. Queimada, toda queimada. Uma menina de 12, 13 anos. Não sei quem é, não sei.
Correndo, a televisão descobriu ainda uma terceira execução, na Baixada Santista, com dois meninos mortos e outro "gravemente ferido".
Tudo ocorreu um dia depois da denúncia, por uma comissão de direitos humanos, do aumento repentino no número de mortos pela polícia, em apenas dois meses de governo.

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