São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Crise cambial! De novo?

GILBERTO NOBRE

A crise cambial que se abateu sobre os países do Terceiro Mundo —e em particular sobre a América Latina— em 1982 parecia esquecida. "Setembro Negro", como foi chamada a moratória mexicana de 82, que arrastou todos os países ao sul daquele país, nunca mais! Até dezembro passado, éramos uma região próspera, e o último país a se ajustar, o Brasil, também encontrou seu caminho de crescimento com estabilidade econômica e baixo índice de inflação para os padrões regionais. Diga-se de passagem, sem qualquer apoio do Fundo Monetário Internacional.
Ninguém se lembra mais como foi aquela época de dificuldades. Reservas internacionais literalmente a zero; caixa único do governo tentando garantir o mínimo de recursos para fazer face às importações indispensáveis e de produtos estratégicos como petróleo, químicos e alguns farmacêuticos.
Em Nova York, pânico no sistema bancário, esperando-se a qualquer momento que alguma agência de banco brasileiro não pudesse fechar seu caixa no final de cada dia. "Safety net"; Projetos 1, 2, 3 e 4; Fases I, II, III... da renegociação da dívida externa brasileira; primeiros encontros com o Clube de Paris; tudo é coisa do passado e de terminologia que só faz sentido para quem viveu a época.
Porém, passados quase 13 anos, o fantasma ronda outra vez. De novo, o México é o grande vilão da história, que ameaça arrastar mais uma vez os países da região.
O Brasil parecia imune, vacinado contra aqueles efeitos, ou sofrendo de amnésia provocada pela embriaguez de reservas internacionais em níveis nunca dantes imagináveis. Reservas que chegaram a incomodar e a ser consideradas indesejáveis no patamar de maravilhosos US$ 40 bilhões, acumulados num período de dois anos.
Pela primeira vez, a atual geração de técnicos do governo teve que lidar com regras que apontavam na direção contrária a tudo aquilo para o que foram treinados. Ou seja, regras de estímulo às remessas de divisas para o exterior e inibidoras do ingresso de recursos. De repente, os papéis tinham se invertido: o exportador passou a ser bandido e o importador o mocinho da história.
O setor externo da economia brasileira responde sempre muito rápido. Assim aconteceu em 82, quando déficits crônicos na balança comercial foram transformados em superávits constantes, que atingiram US$ 19 bilhões em 1988, mantendo-se sempre acima dos US$ 10 bilhões desde então.
Da mesma forma, com estímulos contrários, começamos a perceber déficits comerciais mensais crescentes a partir de novembro do ano passado, projetando-se para o corrente ano, mantidas as regras prevalecentes no final de 1994, déficit superior a US$ 5 bilhões.
As reservas internacionais divulgadas pelo Banco Central caíram de US$ 40,87 bilhões em setembro/94 para US$ 36,4 em dezembro/94. Com o movimento de câmbio verificado desde então, pode-se imaginar que, no final de fevereiro/95, as reservas tenham caído para US$ 33 bilhões, no conceito de caixa.
Felizmente, existiram os exemplos do México e a Argentina. As primeiras medidas do governo, ainda em janeiro, voltaram a restabelecer as vantagens antes retiradas do exportador, que teve resgatado seu papel de mocinho.
De outro lado, para conter o exagero consumista, as alíquotas de importação de automóveis voltaram a subir. De novo, o setor externo da economia real reagiu rapidamente. O saldo cambial de exportações menos importações, de janeiro para cá, voltou a ser positivo em quase US$ 2 bilhões.
Entretanto, a crise externa é muito mais grave do que parecia. O efeito tequila chegou mais forte com o cheiro de Orloff. Quer queiramos ou não, o Brasil é América Latina e ainda não tem distinção aos olhos dos investidores estrangeiros. Embora consigamos reagir rapidamente no lado comercial da balança de pagamentos, no lado financeiro, na balança de serviços e no movimento de capitais a reação a qualquer estímulo é muito lenta, pois depende do fator confiança.
Finalmente, agora, curvamo-nos aos fatos. Alguma coisa mais efetiva e de propósitos firmes tinha que ser feita. O pacote editado na última sexta-feira pelo Banco Central deverá, em definitivo, garantir um superávit comercial importante para este ano, ao promover a desvalorização do real, colocando-o na banda de US$ 0,88/US$ 0,93.
De outro lado, é pouco provável que venhamos a ter qualquer sucesso no lado financeiro, pois a crise de desconfiança em relação à América Latina dificilmente possibilitará a captação de recursos externos novos e é pouco provável que os vencimentos de eurobônus que ocorrem neste ano venham a ser renovados.
Não vou me deter, nem tecer comentários, quanto ao aspecto da implementação das mudanças ocorridas na área cambial, fruto de desacertos administrativos que sempre ocorrem nessas ocasiões, mas apenas registrar que vieram na direção correta.
Como disse, para se construir reservas em níveis superiores a US$ 40 bilhões, levou-se dois anos, em ambiente amplamente favorável no cenário internacional. Para perder US$ 6 bilhões basta uma semana de insegurança. Fatores internos dependem sempre de nossos atos e habilidade política.
Por outro lado, por melhor que se encontre o país, não se tem o comando dos fatores externos. Não se atrai capital somente por praticar um câmbio justo e uma taxa de juros elevada. Se não houver confiança, o capital não aparece —nem o especulativo.
Temos uma grande chance de mostrar o que destaca e diferencia o Brasil na América Latina. Se pelo menos 40% das reformas constitucionais necessárias forem aprovadas na atual legislatura, a tendência estará sedimentada e a confiança restaurada neste país.
Enquanto isso, o que mais temos que fazer é acumular reservas, ainda que incomodem temporariamente, pois, sem elas, quebramos.
Com elas, restabelecemos a confiança intermediária, necessária para dar tempo à discussão e aprovação das reformas estruturais do país. Compramos um seguro.
Reservas decrescentes com novos pacotes de resgate ao México (US$ 50 bilhões) e Argentina (US$ 11 bilhões) levam a indagação ao investidor estrangeiro sobre até quando as reservas brasileiras se sustentam.
O último pacote cambial tem cheiro de caipirinha que, espero, sirva de antídoto aos efeitos tequila e Orloff. Espero que a crise dos US$ 6 bilhões tenha nos ensinado a não subestimar fatores externos.
1982, Setembro Negro, nunca mais! Mas fiquemos atentos: melhorar é difícil, mas há sempre espaço para piorar.

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