São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Questão de bom senso

A Constituição de 1988 é clara em seu artigo 62: "Em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, deverá ser convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias".
É evidente que as palavras "relevância" e "urgência" não foram colocadas no texto constitucional à toa. Também a possibilidade de convocação extraordinária do Congresso Nacional é um indicativo da gravidade do ato de se editar uma medida provisória.
Os sucessivos governos, contudo, parecem não pensar assim. A atual legislatura herdou 60 MPs da anterior. No dia 20 de fevereiro, por exemplo, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a reeditar uma delas, sob pena de deixar cair num vácuo jurídico um instrumento legal que já produzia efeitos concretos na vida de muitas pessoas e empresas.
A célebre MP reeditada no dia 20 de fevereiro trata da obrigatoriedade da iodação do sal destinado ao consumo. Sem ignorar os riscos para a saúde de uma dieta completamente desprovida de iodo, é mais do que óbvio que este não é um assunto que deva ser regulado por meio de uma MP. Se por acaso o Congresso estivesse em recesso, os parlamentares deveriam ser convocados às pressas para debater o premente tema da iodação do sal destinado ao consumo.
É surreal e seria risível se o acúmulo de MPs despropositadas não atravancasse ainda mais os trabalhos de um Congresso que está longe de primar pela celeridade.
O governo deve, evidentemente, dispor de instrumentos para que possa intervir de forma rápida, quando necessário. Caso contrário, o Executivo poderia ver-se reduzido à mais completa inação.
Esse tipo de instrumento, porém, deve ser restrito, como o faz a própria Carta, aos casos de relevância e urgência. É bem verdade que esses termos comportam um certo grau de subjetividade. Mas nada que uma pitadinha de bom senso não possa resolver.

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