São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Bordón diz que, se eleito, manterá paridade cambial

SÔNIA MOSSRI
DE BUENOS AIRES

O sociólogo José Octávio Bordón, 49, ameaça a reeleição do presidente argentino, Carlos Menem. Em apenas duas semanas o candidato da Frepaso (Frente País Solidário) à Presidência conseguiu subir 10 pontos e já tem quase 30% das intenções de voto.
Bordón não poupa críticas à política do ministro da Economia, Domingo Cavallo, mas afirma que o sucessor do presidente Menem ainda não terá condições para desvalorizar o peso e alterar a política cambial —a moeda argentina está congelada desde abril de 91 (um peso vale um dólar).
"Somente o governo que me suceder poderá mudar a política cambial. É preciso organizar a economia argentina e conseguir confiança. A confiança não pode ser adquirida de uma hora para outra", disse Bordon em entrevista exclusiva à Folha.
Bordón tem muitos pontos em comum com o amigo Fernando Henrique Cardoso. Como o presidente brasileiro, ele também é casado com uma socióloga —Monica Gonzalez Gaviola.
A exemplo de Ruth Cardoso, a mulher de Bordón desenvolve estudos sobre a pobreza e constantemente traz ao marido estudos e pesquisas de opinião. Bordón e Mônica também se conheceram durante aulas de Sociologia.
Bordón fez toda a sua carreira política no Partido Justicialista —o mesmo do presidente Menem. Em 94, abandonou o justicialismo e criou o "Pais" (Política Aberta para a Integração Social).

Folha - O que o senhor acha do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional)?
José Octávio Bordón - Eu acho que o governo, necessariamente, precisa de um financiamento para pagar a amortização da dívida externa. Mas este problema não começou agora.
Em outubro, este governo apresentou um orçamento que eu disse que não era compatível com o programa de estabilização e com a realidade. O governo se recusou a elaborar um orçamento com uma estimativa mais realista de arrecadação e de gastos.
O governo apresentou um orçamento eleitoreiro para gastar muito até as eleições de 14 de maio e depois nos levar a uma verdadeira crise.
O FMI também se deu conta disto. Razão pela qual o governo criou insegurança ao tomar a decisão, em outubro do ano passado, de não romper com o FMI e não recorrer aos empréstimos do Fundo. Não podia ir ao Fundo porque não tinha equilíbrio fiscal.
Folha - Se o senhor for eleito, vai herdar o hábito do argentino em guardar dinheiro debaixo do colchão por desconfiança em relação ao governo. Que fará sobre isto?
Bordón - Meu governo vai estabelecer uma confiança política maior do que existe hoje. Nossa maneira de lidar os recursos fiscais, a única ferramenta que tem hoje a economia argentina, será muito mais austera e eficiente.
Com isto, recuperaremos a confiança dos agentes econômicos nacionais e estrangeiros e também dos depositantes. À medida que nos ocuparmos da produção, vamos tornar mais firme a situação dos bancos.
Há quase um ano eu disse que se o governo não se ocupasse da produção haveria problemas.
Folha - As dificuldades da economia são grandes. Será possível evitar a desvalorização do peso no próximo governo?
Bordón - Não vou desvalorizar a moeda argentina.
Folha - O peso não pode ficar congelado eternamente na paridade um por um em relação ao dólar.
Bordón - Somente o governo que me suceder poderá mudar a política cambial. Antes disto, é preciso organizar a economia argentina e conseguir confiança. A confiança não pode ser adquirida de uma hora para outra.
Atualmente, não podemos abandonar a conversibilidade porque o governo Menem utilizou um modelo sem política monetária e sem política cambial. Teremos que usar outros instrumentos.
Folha - Apesar de todas as dificuldades econômicas, o presidente Menem lidera as pesquisas de intenção de voto. Como o senhor analisa isto?
Bordón - O presidente Menem tinha assegurado sua vitória no primeiro turno há alguns meses. A partir das inquietações por causa da questão social o menemismo tornou-se um modelo desgastado.
O argentino está cansado do estilo monárquico de Menem. Nossa responsabilidade histórica é dar efetivamente aos argentinos uma alternativa.
Pesquisas de institutos independentes mostram que dois em cada três argentinos não pretendem votar em Menem. Crescemos quase 10% em duas semanas.
A Frepaso se firmou como a segunda força política e haverá segundo turno. Os brasileiros conhecem o processo de eleições em dois turnos. Além disto, tenho uma experiência bem-sucedida de governo em Mendoza.
Folha - No que o seu programa de governo se diferenciará de Menem na campanha eleitoral? Menem também passou a defender justiça social.
Bordón - Vamos explicar o nosso programa e os instrumentos que queremos usar antes das eleições de 14 de maio. Vamos adotar políticas para combater o desemprego. Seremos austeros e honestos para dar clima de confiança permanente.
Vamos mostrar que é possível ser mais eficiente utilizando os mesmos recursos que o governo Menem emprega hoje.
Queremos melhorar a saúde, investir mais em educação e na Justiça. Defendemos uma Justiça independente da estrutura política. Atualmente, gastam-se os recursos públicos muito mal.
Vamos mostrar que é possível fazer muito mais, e melhor, com os mesmos recursos que o governo Menem tem.
Folha - O senhor faz um discurso voltado preferencialmente para a classe média. É uma estratégia de campanha?
Bordón - Falo para a classe média que chegou a constituir 80% da população argentina no passado. Inclui desde o operário ao profissional liberal e docentes.
Esta classe média cansou-se da política econômica de Cavallo. Ela forma uma maioria que foi prejudicada pela política do governo Menem.
Folha - Uma parte significativa desta classe média a que o senhor se refere inclui os aposentados argentinos, que estão cada vez com pensões mais achatadas. Que projetos o senhor tem para eles?
Bordón - Voltamos 70 anos na história argentina com a política adotada por Menem em relação aos aposentados. São 2 milhões de aposentados e 1 milhão de pensionistas.
É perigosa a adoção de um novo modelo para a seguridade social sem uma prévia consulta ao Mercosul. Uma das coisas que conversei com o presidente Fernando Henrique Cardoso, em janeiro, quando estive com ele em Brasília, foi da necessidade de um sistema de seguridade comum no Mercosul por causa da mobilidade que ocorrerá nos próximos anos.
Folha - O que o senhor acha do fato de as pesquisas indicarem que o presidente Menem tem mais votos entre a população mais pobre e os mais ricos?
Bordón - Menem adotou a concepção da democracia delegativa, sem relacionar-se com as instituições. Ele montou um governo com base num modelo de contenção da pobreza.
Nós temos uma concepção democrática e descentralizadora do poder. É uma ética democrática.
Folha - Uma das principais características do governo Menem é o alinhamento automático com os Estados Unidos. O senhor manteria isto?
Bordón - Quero uma boa relação com os Estados Unidos. Para nós, uma boa relação não significa subordinação. Desejo ficar mais próximo dos países vizinhos.
Folha - A ditadura militar ainda é um trauma para os argentinos. O senhor divulgaria listas dos desaparecidos, como as denunciadas recentemente sobre militantes políticos que teriam sido jogados vivos no mar?
Bordón - Se existem listas, têm que ser publicadas. Tanto civis e militares cometeram muitos erros.
Folha - O senhor não acha que seu vice (Carlos "Chacho" Alvarez, da Frente Grande) pode lhe causar problemas? Ele disputou com o senhor a indicação para candidato a presidente pela Frepaso.
Bordón - Tenho certeza que não. Carlos vai ajudar muito. Terá papel importante na campanha.

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