São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
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Nas casernas

JANIO DE FREITAS

Em movimento semelhante, embora só na forma, ao que se seguiu à crise político-militar de 61, grupos de oficiais do Exército estão desistindo de permanecer na ativa e adotando as providências para passar à reserva. O número não é oficial, mas informações de militares situam em torno de 40 os que, só no nível de coronel, estão providenciando a transferência, equivalente à aposentadoria. E pequenas reuniões se sucedem, para discutir adesões à iniciativa.
Entre os militares em geral, o clima é de exaustão, já bem exasperada, com a longa duração do tratamento governamental que consideram injusto e discriminatório, em relação aos seus vencimentos. Se chegou a haver alguma expectativa favorável com o novo governo, não está só desfeita. Uma sucessão de fatos e inabilidades ministeriais disseminou o sentimento de que as reformas pretendidas pelo governo são ainda mais contrárias aos militares.
Os aumentos para ministros e assessores especiais, aí pelos 200%, enquanto o governo reduzia de 25% para 22% o reajuste do funcionalismo civil e militar, causaram enorme indignação. Publicado da maneira mais discreta e sem explicação, o comunicado de que o ministro da Marinha optara por seus vencimentos de almirante não transmitiu o significado do gesto. Não foi propriamente opção, mas a recusa do ministro Mauro Cezar Pereira aos vencimentos ministeriais que os militares consideraram como privilégio autoconcedido pelos que pregam e aplicam, para os demais, a contenção de vencimentos e salários. O governo acabou dando mais 3% aos militares do que aos civis.
A decisão do ministro José Serra, do Planejamento, de mudar a data de pagamento do funcionalismo civil e militar, de 21 a 23 para 2 a 5 do mês seguinte, resultando em intervalo de até 45 dias no mês da mudança, foi recebida pela oficialidade como um canhonaço direto. Ainda ontem, em sua segunda nota oficial a respeito, os presidentes dos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica exprimiam o sentimento mais generalizado, ao definirem a medida como expressão de "deslealdade, insensibilidade social, manipulação contábil e reafirmação da injustiça".
A tentativa do presidente Fernando Henrique de abrandar as reações à medida foi pior do que o silêncio. Disse ele que "não há problema, porque a Medida Provisória (do adiamento) prevê o pagamento de 40% na data atual". Não foi verdadeiro, e só fez aumentar a convicção de que as disposições contra os militares não são de um ou outro ministro. A MP não prevê, apenas admite a antecipação na data antiga, mas só, como rebateu Serra, "se houver disponibilidade de recursos".
Houve, de fato, grande inabilidade e muito autoritarismo por parte do governo nesta questão. É quase inacreditável que uma medida assim seja adotada sem que os ministros, inclusive os militares, fossem chamados a examiná-la. Além disso, é claro que poderia haver o escalonamento em três meses, por exemplo, com três a cinco dias de adiamento a cada mês.
Os ministros Bresser Pereira e Reinhold Stephanes temperaram com pólvora a indignação dos militares. O primeiro, ao sair do seu tema, em palestra para empresários há uns dez dias, e fazer uma proclamação contra o pagamento aos militares reformados, suas viúvas ou filhas, de vencimentos superiores aos que tinham na ativa (Castello Branco acabou com a promoção ao posto superior, no momento da reforma, mas manteve o pagamento próprio do posto superior).
Stephanes, por sua vez, não incluiu a aposentadoria militar na proposta de emenda constitucional, já mandada ao Congresso, alterando as aposentadorias do funcionalismo civil e dos assalariados. Ficou de mandá-la ao Congresso em 30 dias. Mas, além de declarações pouco definidoras a respeito, só o fato de que haja uma emenda a mandar ao Congresso já indica que o sistema de reforma dos militares sofrerá modificações. Eles estão convictos de que a falta de clareza do governo até agora, aliada às palavras de Bresser, significa que terão mais perdas. Os pedidos de reforma imediata reagem a esta perspectiva.
Não usarei, para definir o estado de ânimo dos militares, a palavra crise. Mas, por favor, não acenda isqueiro perto de militar.

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