São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
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Emerson afasta adeus e promete acelerar

MAURO TAGLIAFERRI
ENVIADO ESPECIAL À AUSTRÁLIA

Começo da noite de sexta-feira. Um homem de 48 anos anos está na praia, de frente para o mar e para a lua cheia que aponta no céu de Surfers Paradise, na Austrália.
Sem localizar o garoto, revela que sua maior inquietação são os tubarões, comuns na região nesta época do ano.
Não demora muito, porém, e o filho surge, caminhando pela areia. "Onde você estava?", pergunta, sério. E, sem deixar que o menino responda, abre um sorriso, abraça-o e os dois retornam ao hotel em que se hospedam.
Quem assistisse à cena jamais diria que o pai é quem gera maior preocupação ao filho.
Duas horas antes, o homem de calção preto vestia um macacão vermelho e passava a mais de 300 km/h a algumas polegadas de uma parede de concreto, a bordo de seu Penske/Mercedes.
Mais que isso, faz da velocidade e do risco sua profissão. "Estou cada vez mais acelerado", diz ele à Folha na beira da piscina do hotel Sheraton. "Minha cabeça é só corrida", afirma.
Seus planos para o futuro não vão além de 10 de setembro, data da última prova da Indy em 95. Quer chegar lá campeão da categoria e com mais uma vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, a mais tradicional corrida dos EUA, feito já conquistado em 89 e 93.
Milionário, ganha cerca de US$ 7,5 milhões por ano vendendo suco de laranja, roupas, carros, equipamentos de barco e, principalmente, vencendo corridas.
Residente em Key Biscayne, Flórida, mas nascido em São Paulo, este senhor atende pelo nome de Emerson Fittipaldi.

Folha - Você está na lista da "Forbes" como uma das principais fortunas do mundo esportivo. Não chega uma hora em que você pensa: 'com tudo isso, para quê me arriscar na pista'?
Emerson Fittipaldi - Não, eu nunca tive tanta motivação para correr. Não estou nem pensando em quando vou parar, meu negócio é acelerar o carro.
As principais coisas que eu tenho na minha vida são a família, o esporte e os negócios.
Folha - E como você divide seu tempo entre eles? Alguém deve ser sacrificado...
Emerson - Agora sou 100% competição e família. Fora de temporada, fico entre a família e os negócios.
Folha - A família nunca é sacrificada?
Emerson - Não, nunca.
Folha - Há mais seis brasileiros na Indy. O que isso significa para você?
Emerson - O Brasil mostra que tem tradição no automobilismo. Deu sequência ao trabalho dos pilotos pioneiros: eu, o José Carlos Pacce, o Wilson (Fittipaldi Jr.), depois teve o Nélson (Piquet).
Além de outros que passaram pela F- 1, como o Chico Serra, o Ingo Hofmann, que dentro do mundo do automobilismo foram importantes, não em termos de público —não conseguiram resultados porque não estavam na equipe certa—, mas que serviram para dar àquela molecada que corria de kart inspiração para chegar lá.
E o impacto de haver sete brasileiros na Indy vai criar um reação parecida, como uma bola de neve. Imagina um garoto de dez anos que corre de kart e todo o domingo liga no SBT e vê seis brasileiros competindo bem. Vai dar uma motivação como nunca houve antes para essa molecada.
Folha - Para eles, a Indy vai ser o que a F-1 era há dez anos?
Emerson - Vai dar uma motivação muito grande porque eles vão sentir que, estando numa equipe razoável, há como aparecer bem.
Folha - Isso inverte o eixo tradicional de formação do piloto brasileiro, que passava do kart às fórmulas brasileiras e sul-americanas, pela F-3 e F-3.000 européias e, então, à F-1. Qual o perfil de um piloto formado para os EUA e para a Indy?
Emerson - Quem for para os EUA vai ter uma vantagem que é se acostumar com os ovais. A técnica do oval é muito complicada. Quando a gente começar nos ovais este ano, os novatos vão ter dificuldade. Eu ainda tenho.
Então, você começando cedo a guiar no oval, dá uma vantagem muito grande que o pessoal que vem da Europa não tem. O Gil (de Ferran), por exemplo, não tem esta técnica.
E um sonho que eu tenho é que se faça um oval no Rio para um GP da Indy e, dentro dessa pista, criar uma técnica brasileira de dirigir em ovais. As categorias inferiores, até kart, podem correr lá.
É o ideal para o futuro do automobilismo brasileiro, aprender a técnica do oval no Brasil.
Fora que o oval, pelo seu tamanho, é muito mais barato de construir que qualquer outro autódromo e é um super show. É de arrepiar, chega a ser espetáculo até violento pela velocidade. A TV não dá a dimensão da coisa, só estando lá para ver.
Folha - Você diria que o Brasil tem chance de realizar uma prova ainda este ano?
Emerson - Depende da briga entre a IndyCar e a IRL, que acalmou. Saiu uma notícia nos EUA que o Tony George (proprietário do Indianapolis Motor Speedway) não vai fazer nada em relação à nova liga em 96. Mas acho que a chance do Brasil é para 96.
Folha - Como você convenceu o Silvio Santos a abrir um espaço no programa dele para uma corrida que não é tão popular no Brasil quanto a F-1?
Emerson - O Silvio sentiu o potencial da Indy. O SBT quer investir em esporte e a Indy é tão importante no esporte que todas as cotas de patrocínio da TV foram vendidas em uma semana. E a audiência da primeira corrida foi muito boa (cerca de 11 pontos).
O Silvio tem uma visão muito grande. Tive uma conversa de meia hora com ele e o negócio foi fechado. Acho que foi o momento certo e o SBT e a imprensa vão popularizar a Indy no Brasil.
A Indy cresceu muito em todo o mundo. São cerca de 138 países que viram a corrida da Austrália ao vivo. Na F-1 são 88, 90 países. É um show muito maior que a F-1 em termos de penetração de televisão, que é o futuro do esporte.
Folha - Na sua opinião, quais as possibilidades de sucesso dos brasileiros na Indy atualmente?
Emerson - Todos andam muito bem e têm meios para mostrar que andam bem. O que tem a combinação mais complicada é o André (Ribeiro), que tem motor Honda, chassi Reynard e pneus Firestone.
Folha - Esse pode ser o ano do Mauricio Gugelmin, não?
Emerson - Sem dúvida, ele está muito bem.
Folha - E para o seu futuro?
Emerson - Vou tentar tudo para ganhar o campeonato deste ano, e vencer em Indianápolis este ano também. Tenho me preocupado fisicamente o tempo todo e, agora, minha cabeça é corrida. Estou cada vez mais acelerado e acho que, se a gente conseguir um carro parecido com o do ano passado, dá para ganhar muita corrida.
Folha - É claro que, para você, não é bom que seu carro esteja atrás dos outros. Mas, por outro lado, a hegemonia dos Penske no ano passado não estragou um pouco o show da Indy, tornando-o previsível?
Emerson - Ah, mas eu não concordo com isso, não... Eu achei que o show foi bárbaro (risos). Mas, claro, o equilíbrio é mais interessante para o esporte.
Folha - Você sente falta do Brasil?
Emerson - Sinto. Eu adoro o Brasil. E tenho ido muito para lá, em viagens curtas. Se tenho três dias livres, pego o avião e vou para o Brasil.
Folha - Do que você sente mais falta?
Emerson - Do povo, do calor humano, dos amigos, da natureza, fim-de-semana, praia... E com o governo novo, com a economia um pouquinho melhor, vai ser um dos melhores países do mundo.
Folha - Você votou para presidente nas últimas eleições?
Emerson - Votei em Miami.
Folha - Em quem?
Emerson - Votei no Fernando Henrique. Eu e minha mulher. Foi a primeira vez que votei para presidente. Na eleição do Fernando (Collor de Mello), eu não estava no Brasil e não tinha um sistema tão bem organizado como há agora nos consulados.
Folha - Você teria votado no Collor?
Emerson - Não vou falar disso, não gosto de falar de política. Acho que o Brasil merece um governo que dê ao pobre condições básicas, como um mínimo de infra-estrutura, higiene, uma casa para viver, o filho poder ir para uma escola. E isso já está melhorando, mas ainda está longe do que deveria ser.
Todos nós deveríamos trabalhar com esse objetivo e aí o Brasil muda. É tirar a molecada da rua, que é um grande problema social de lá.
Acho que, com a economia melhorando, a inflação diminuindo, o governo vai conseguir investir em coisas básicas.
Quando vou para o Brasil, é um choque. Tem gente boa, que poderia estar produzindo mais, fazendo o país crescer, abandonada na rua. Isso me deixa muito triste. A gente sempre tem aquela esperança: 'agora vai melhorar' e, aí, dá alguma coisa errada.
Realmente acho que, agora sim, vai melhorar. Nunca tivemos uma chance tão grande. Porque não há melhor país no mundo para se morar que o Brasil. Por mim, queria ficar lá com a minha família os doze meses do ano, gostaria que todo o campeonato da Indy fosse no Brasil. Seria perfeito.

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