São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
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Stevie Wonder volta a celebrar o funk

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com o disco "Conversation Peace", que chega às lojas esta semana, Stevie Wonder se inscreve no rol de artistas que chegam em plena forma à década dos 90, depois de tenebrosos anos 80.
"Conversation Peace" é infinitamente superior a qualquer dos pasteurizados trabalhos de Wonder na década passada. Mais, insere-se desde já entre seus grandes discos.
Wonder revelou-se ao mundo como menino-prodígio em 1963, aos 12 anos. Firmou-se, daí em diante, como expoente máximo da Motown. Meca do pop negro norte-americano, a gravadora foi responsável pela inigualável proeza de reunir artistas como Marvin Gaye, o Jackson Five, do também precoce Michael, os Miracles de Smokey Robinson, as Supremes de Diana Ross, os Temptations, os Four Tops e inúmeros mais.
Wonder atingiu ápices de qualidade nos primeiros anos 70, em álbuns inteiramente concebidos e controlados por ele num cenário centralizado por Berry Gordy, presidente da Motown. Apenas Marvin Gaye, gênio maior da gravadora, possuía tal privilégio. Era vice-presidente da companhia.
Popularidade à parte, Wonder nunca foi o mais inventivo dos artistas da Motown. Tinha a vantagem de possuir, em doses moderadas, uma variada mistura de qualidades que em seus colegas apareciam de forma mais específica e concentrada.
Fez escola. Michael Jackson cantando garotinho à frente do Jackson Five a partir de 1971 era já armação de Berry Gordy para repetir a fórmula bem-sucedida. Geniais, os Jacksons suplantaram o mestre, e Michael tornou-se o mais caro artista pop do planeta.
Agora, Wonder vem à forra. Dispensa a pieguice que corroía seus últimos discos autorais ("In the Square Circle", de 1985, e "Characters", de 1987) e volta, oito anos depois, com um trabalho sem resquícios de pasteurização.
Embora letras "vamos-salvar-o-mundo" ainda predominem, o som é pura celebração funk, sem espaço para pássaros cantando ou excesso de baladas açucaradas.
Quando surgem, as baladas vêm perpassadas de melancolia, como em "For Your Love", para ouvir e derramar grossas lágrimas de nostalgia ou de alívio.
Nem os vocais sul-africanos do Ladysmith Black Mambazo, trazido à fama em 1986 por Paul Simon, comprometem a elegância: Wonder consegue elevá-los à discrição em "Treat Myself". A letra piegas é mero detalhe.
A faixa é uma das que exibem o trunfo maior do disco. "Conversation Peace" possui refrões poderosos como não se ouvia desde o auge setentista da Motown. Basta ouvir, por exemplo, refrões como os de "Cold Chill" e da deslumbrante "My Love Is with You".
Mas refrões de nada adiantariam se a voz de Wonder não estivesse em tão avançado estágio de elaboração, como na faixa "Sensuous Whisper". Michael Jackson daria a pele para ter a voz do mestre.
Juntando refrão, voz, melancolia, elegância funk e um visual charmoso abandonado desde o início dos anos 70, Wonder acerta as contas com o tempo em que vive.
Não encontra rivais: Gaye já morreu, Diana não saiu ainda dos 80, Jackson continua usando roupa de couro e cabelo sertanejo.
Wonder, por seu lado, ignora cortinas de fumaça lançadas por sucessores e seguidores, para ingressar num grupo de artistas (Neil Young, Bryan Ferry, Jorge Ben Jor, Paulinho da Viola) que, lá fora e aqui, se esforçam por manter faíscas de criatividade no pop.
Para tanto, Wonder sabe de que fontes se nutrir. A lista de agradecimentos reserva texto especial a Prince, tratado respeitosamente pelo esquizofrênico símbolo que o músico adotou como nome: "Pensei que corações como o seu não existissem mais. Obrigado por compartilhar comigo a dádiva de seu gênio e de sua música". Piegas ainda, mas suficiente para explicar "Conversation Peace".

Disco: Conversation Peace
Artista: Stevie Wonder
Lançamento: PolyGram
Quanto: R$ 20 (o CD, em média)

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