São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
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Expressionismo marca "Frankenstein"

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não é fácil ser primeiro em alguma coisa. E este primeiro "Frankenstein", embora imitado dezenas de vezes ao longo da história, não foi primeiro em quase nada —ao contrário do que se costuma dizer. É fruto da tradição do cinema expressionista e de horror que se desenvolvia na Alemanha desde final dos anos 10, a começar por "O Golem" em suas diferentes versões.
Mas não é porque se deixam identificar imediatamente os cemitérios de cruzes tortas de "Nosferatu", os cenários disformes e as sombras gigantescas de "O Gabinete do Dr. Caligari", o cientista louco e as maquinarias de "Metrópolis" que o velho "Frankenstein" perde algo de sua qualidade.
Instalado em terreno americano no início do falado, o cinema de horror parece ter cristalizado sua fórmula mágica no filme que celebrizou o ator Boris Karloff e mudou a carreira do diretor James Whale.
O cenário, evidentemente, continua sendo uma cidadezinha alemã, tal como descrita no romance de Mary Shelley que deu base ao filme (e essa origem ainda é reforçada nos diálogos por uma profusão de "Herr" e "Fraulein").
A placidez e a harmonia de Biedemeyer virão a ser perturbadas, como de regra nos contos fantásticos, desta vez não pelo velho cientista louco (que também está no filme), mas por seu discípulo, o Dr. Frankenstein, um jovem dominado pela ânsia do poder, que resolve levar os ensinamentos do mestre às últimas consequências —estamos em 1931, à beira, portanto, da catástrofe de Hitler.
Dr. Frankenstein comete o pecado de abandonar a rotina de sua vida burguesa, e mesmo sua noiva, para ir caçar cadáveres, tanto os enterrados no cemitério, como os de ainda frescos suicidas pendurados em árvores. Deles pretende extrair as partes conservadas e montá-las para criar de novo a vida humana, igualando-se a Deus.
Essas soberbas imagens iniciais, que, ao que se conta, provocavam desmaios na platéia feminina nos idos dos anos 30, embora hoje não causem medo, permanecem únicas em suas sugestões sádicas, ao mostrarem Frankenstein e seu ajudante corcunda de olhos arregalados e salivando diante de suas presas.
O resultado dessa febre insana não pode ser coisa boa. É aquele monstro gigantesco, nosso velho conhecido, de cabeça achatada, com costuras e parafusos aparentes ligando as várias partes do corpo, na fantástica criação do maquiador Jack Pierce. Por trás da máscara, o também esplêndido Boris Karloff, ao qual de início se atribuíra um papel secundário, e cujo nome nem sequer aparece nos créditos.
No entanto, suas breves entradas em cena dominam o filme. Seu andar de sonâmbulo, suas mãos congeladas em gestos que não se completam, os sorrisos apenas esboçados de seu rosto são mais eloquentes que qualquer diálogo. É o personagem mudo de Karloff que põe por terra as teorias lombrosianas nas quais firmemente acreditam Dr. Waldman e seu discípulo Frankenstein.
Os crimes cometidos pelo monstro não advêm do cérebro de um criminoso que nele foi implantado, mas de sua ingenuidade de criança que não sabe o que fazer com a força e o tamanho inadequados de seu corpo.
Karloff completa assim a receita que fez de "Frankenstein" um clássico. Graças a ele, a malícia com que o filme trata os instintos humanos recebe o contrapeso romântico do homem bom em sua origem e deformado pela sociedade que o cerca.

Vídeo: Frankenstein
Diretor: James Whale
Elenco: Boris Karloff, Colin Clive e Mae Clark
Distribuidora: Continental (tel. 011/284-9479)

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