São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
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Senado em clima de reforma

RENAN CALHEIROS

Quando encontro parlamentares perdidos na complexidade física, institucional e política do Congresso, procuro chamar-lhes a atenção para dois fatos: o Senado e a Câmara são instituições coletivas e, nelas, as idéias só prosperam se houver um clima político favorável.
Como é da essência do processo, é assim em qualquer Parlamento. E como é assim, em vez dos inúteis gestos isolados e espetaculares, deve-se ter paciência, perseverança, habilidade e uma percepção apurada dos momentos de um fato político.
Tem-se tentado ao longo de várias Legislaturas reformar o Senado e a Câmara, mas só agora é que se conseguiu criar um clima favorável para mudanças significativas na máquina administrativa e nos mecanismos que regulam o processo legislativo. Criou-se, então, o Grupo de Reforma e Modernização do Senado.
Sinto que desta vez será possível chegarmos ao final do processo, não por ser eu o seu coordenador, mas por ser este o melhor momento desse fato político, que é mudar regras de comportamento de uma Casa conservadora, corporativa, ineficiente e excessivamente lenta na execução das atribuições que lhe cabe.
Quase todos os senadores, atentos a um desejo da sociedade, admitem mudar. Como disse o senador Vilson Kleinubing (PFL-SC), o Senado precisa salvar-se coletivamente. Trata-se, como se vê, não de uma dificuldade política passageira, mas de uma questão básica de sobrevivência.
Como lembrou o senador Pedro Simon (PMDB-RS), os maiores problemas do Senado são os seus pequenos problemas. Fatos como os desvios na utilização dos serviços gráficos, a construção de obras de necessidade discutível, o emprego de parentes, a manutenção de órgãos desnecessários e a ineficiência gerencial podem não ser exatamente grandes nos danos diretos, materiais, mas são devastadores no plano moral e nas consequências políticas.
É o caso, por exemplo, do tal Senadinho no Rio de Janeiro, um órgão absolutamente inútil e que não tem outra função a não ser alimentar fantasmas.
Fatos como esse, lembrados e criticados diariamente nos veículos de comunicação, vão amesquinhando e constrangendo o Senado, atrapalhando a sua vida normal e provocando uma paralisia perigosa para a harmonia institucional.
É nessa paralisia que mora o problema mais grave. O Senado não tem se envolvido com as grandes questões nacionais, embora tenha prerrogativas (e o dever) para participar, influenciar e modificar. Disso se aproveitam todos os governos, como o atual, para menosprezar o seu papel, reportando-se a ele só nos casos formais, com o descaso de quem sabe que ali as coisas não são tratadas com agilidade e eficiência.
Tenho sentido que os senadores também estão preocupados com o fraco desempenho do Senado no plano institucional. Durante as reuniões no Grupo da Reforma, nas discussões em Plenário e nas Comissões Técnicas e em conversas informais sente-se que esta é mesmo a hora de melhorar o desempenho, acabando com os problemas administrativos, reconstruindo a funcionalidade do processo legislativo e resgatando a capacidade de legislar.
Tudo, enfim, nos parece a favor: temos a maioria dos senadores, independente de posições políticas, partidárias e ideológicas, a disposição do presidente José Sarney e o momento histórico. Em alguns dias, o Grupo da Reforma, integrado por mim e pelos senadores Ney Suassuna e Luiz Alberto de Oliveira, indicará à Mesa do Senado as providências necessárias para que se chegue às reformas administrativas, processual e política, devendo o relatório final estar concluído ainda neste semestre.
A previsão é que as mudanças venham a ser implementadas em três etapas: primeiro, as alterações administrativas, para as quais a Mesa tem competência para deliberar, seguindo-se as de natureza legislativa e política e outras que dependam da aprovação prévia de emendas ao Regimento e à Constituição. De tudo o que certamente será proposto, algumas sugestões me parecem desde já consensuais, como as muitas providências para acabar com certas práticas funcionais e racionalizar a máquina administrativa e as modificações nas regras de funcionamento das Comissões Técnicas e do Plenário.
Até mesmo algumas idéias inovadoras, como as Comissões de Triagem e de Normas parecem não encontrar maiores dificuldades. É provável que tenhamos alguns problemas em temas mais polêmicos, como a revisão da imunidade parlamentar, a nova regulamentação para a medida provisória, a elaboração, a execução e o controle do Orçamento e a função fiscalizadora do Senado, mas nada que não possa ser superado.
Imagino que as pressões mais exacerbadas devam vir dos espasmos corporativos, mas também nada tão significativo que possa provocar uma revolução funcional, até porque não há pressão que consiga reverter a vontade política que hoje o Senado tem para reformar-se e modernizar-se.

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