São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
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A vida como ela não é

Na última quinta-feira, em Suzano, três adolescentes foram mortos a tiros supostamente a mando de comerciantes, o que seria uma represália a frequentes furtos na região. O depoimento de um menor sobrevivente sugere que o mandante do crime circulava com o carro e ia designando friamente os que deveriam morrer.
Depois do impacto internacional do massacre da Candelária, é como se estivéssemos nos acostumando a fatos assim, que se integram perversamente a nosso cotidiano, como garotos pedindo esmolas nos semáforos. Uma mulher que mata o marido pela guarda do filho ou mesmo um porteiro que assassina uma moça por sua beleza ainda são passíveis de suscitar compaixão: ainda reconhecemos um drama humano por trás, desenham-se personagens rodriguianos da "vida como ela é". O assassinato de adolescentes por pequenas infrações surge como um fato lamentável mas inevitável, mais ou menos como os buracos nas ruas.
A execração pública dos responsáveis pela chacina bem como a aceitação implícita de que menores infratores são pouco menos que seres humanos (certamente não cidadãos) são respostas simplistas para um problema complexo.
Procura-se acreditar que os acusados pelo assassinato —pouco mais que adolescentes, também— em outras condições certamente não se imaginariam capazes de matar crianças. Da mesma forma, reduzir um menor infrator a uma vítima da sociedade seria, em última análise, roubar-lhes toda a humanidade em seu livre-arbítrio. Resta a constatação fria de que pequenos transtornos cotidianos se convertem em crime em nome da convicção de que não há mais outra solução possível diante de um "descaso das autoridades". Nas ruas de São Paulo temos medo de crianças, as matamos por isso e, o que é pior, logo esquecemos.

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