São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Empresas estatais

ANTONIO DELFIM NETTO

No campo da análise econômica há interessantes lacunas, verdadeiros espaços de desconhecimento. Um desses espaços é o das empresas públicas, isto é, empresas cuja formatação jurídica é de uma sociedade anônima comum, mas cuja maioria acionária é retida nas mãos do Estado.
Nunca os economistas conseguiram esclarecer completamente (a não ser com justificativas "ad hoc") se existem razões de eficiência econômica que justifiquem a escolha desse tipo de organização em lugar de uma empresa estatal fechada. E —se a justificativa não é de eficiência econômica—, por que os acionistas privados têm interesse de participar no capital de uma empresa que não maximiza seus lucros?
O problema talvez possa ser entendido considerando o seguinte: os acionistas têm condições de aplicar os seus recursos em um número muito grande de empresas privadas que, por hipótese, procuram maximizar o seu lucro. Digamos que a taxa média de retorno para uma unidade desse capital é de 12% ao ano. A empresa pública, se tiver funções sociais a cumprir, obviamente não poderá proporcionar esse retorno, mas apenas 7% ou 8%, por exemplo.
Uma explicação plausível para que elas paguem efetivamente os 12% é que o mercado "desconta" o valor patrimonial, ou seja, que o valor das ações (e do patrimônio) seja naturalmente subestimado pelas cotações em Bolsa.
Em igualdade de nível de eficiência produtiva, o diferencial de taxa de retorno (digamos de 12% para 7%) é o custo da atividade "social" da empresa. De fato, se o mercado avaliasse corretamente o valor do patrimônio, a única forma de convencer os acionistas privados a investirem na empresa seria subsidiá-la com os 5% através de dotações orçamentárias.
Por outro lado, o controle da administração dessas empresas coloca um problema quase insolúvel. Na empresa privada a separação entre o capital e a administração criou dois interesses que podem estar em relativa oposição. Os objetivos do administrador podem não coincidir com o dos acionistas. Trata-se do problema do "agente principal", que hoje diverte os economistas, que tentam mostrar que talvez o mercado tenha alguns instrumentos para "domar" os administradores.
Não é assim na empresa pública, onde o "sucesso" do administrador está na relação direta do atendimento dos interesses políticos que o nomearam.
Todos os argumentos que são usados para justificar as empresas estatais (alguns bens públicos, externalidades, razões distributivas, monopólio natural) são cada vez mais difíceis de defender diante do avanço do conhecimento econômico.
O que nos parece que resta é o seguinte: essas empresas foram criadas porque inexistia um mercado de capitais suficientemente amplo para financiar privadamente o montante de seus investimentos. O Estado funcionou como agente catalisador, usando poupança do orçamento e convocando o público (às vezes até com apelos patrióticos) para participar do empreendimento. A sua forma jurídica mostra que elas se destinavam a ser privatizadas tão logo se criasse o mercado de capitais. Ele hoje está criado. Logo, o que resta é privatizar.

Texto Anterior: A fantasia do real
Próximo Texto: CULTURA HOJE; MANIFESTAÇÕES; NASCIDO PARA ACELERAR
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.