São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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Dorothy Parker volta em livros e filme

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

O centenário de Dorothy Parker foi há dois anos, mas parece que só agora o estão celebrando. Com uma nova biografia e um filme, "O Círculo Vicioso - A Vida de Dorothy Parker" (Mrs. Parker and the Vicious Circle), que passou no último Festival de Cannes e estréia no Brasil no Festival de Búzios, no começo de abril, passando ao circuito comercial em seguida. Por coincidência, a Companhia das Letras acaba de relançar a antologia de contos "Big Loira e Outras Histórias de Nova York", traduzidos e apresentados por Ruy Castro, e a José Olympio entrega em maio às livrarias um romance policial, "Um Caso de Polícia Para Dorothy Parker", no qual a contista —e também poeta, cronista, crítica e roteirista— ajuda a desvendar uma série de misteriosos assassinatos.
Aos contos, originalmente traduzidos em 1987, a Companhia das Letras acrescentou nove poesias, oito delas entregues à perícia e à paciência do repórter da Folha Daniel Piza. Parker escrevia melhor prosa do que poesia. Seus versos eram leves, algo aforísticos, variações dos ditos espirituosos que a transformaram na "mais arrasadora personalidade feminina da Nova York do seu tempo". Ela própria os menosprezava, qualificando-os de "do-dahs", chistes com rima. Exemplo clássico: "Poucos homens têm olhos/ para garotas quatro-olhos".
Edmund Wilson achava que o humor dela, ferino às vezes, melancólico quase sempre, pertencia a um tempo e a um meio específicos, fora dos quais não faria sentido. Ainda faz. Mas requer um mínimo de entrosamento com o espírito da época. Mais especificamente com o "mood" intelectual da Nova York dos anos 20 e 30. Alan Rudolph, o diretor de "O Círculo Vicioso", tentou captá-lo. Não conseguiu. Caprichou na escolha dos atores (Jennifer Jason Leigh é a cara de Dorothy Parker), no décor e nas roupas, supervisionou o roteiro (de Randy Sue Coburn), mas seu incurável pernosticismo o condenou, uma vez mais, ao fracasso. Falta ao filme o principal: clima, atmosfera, humor. Se pudesse vê-lo, Parker na certa resmungaria: "Bullshit!"
Pupilo de Robert Altman, Rudolph adora intelectuais, mas ainda não aprendeu a tornar suas vidas interessantes na tela. Em "The Moderns", filmado em 1988 e só lançado em vídeo no Brasil, ele desperdiçou uma fauna cinematograficamente tão promissora quanto àquela a que Parker pertencia: a "geração perdida" de Hemingway e Fitzgerald na Paris dos anos 20.
Fitzgerald, encarnado por Malcolm Gets, também aparece em "O Círculo Vicioso". Bem pouco, como convém a um mero figurante na mesa-redonda do Algonquin, reduto vespertino das línguas mais afiadas da intelectualidade nova-iorquina de sete décadas atrás. Foi grande amigo de Parker, que o aturou até em Hollywood, onde os dois tentaram ganhar a vida depois que a Grande Depressão provocou uma diáspora no "círculo vicioso".
LEIA MAIS sobre Dorothy Parker à pág. 5-3

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