São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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E o Oscar vai para... quem for mais burro

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Chegou a hora do Oscar na Cidade do Brilho, e os principais prêmios estão indo para os burros.
"Nell" e "Forrest Gump" estão na fila para agarrar uma penca de estatuetas, que este ano prestam tributo ao que está acontecendo em nosso mundo.
Nosso mundo está ficando burro e mais burro ainda.
"Forrest Gump" é um filme que glorifica a burrice. "Nell" —que David Letterman chama, apropriadamente, de "Noiva de Gump"— faz o mesmo. Ambos equacionam Q.I. baixo com bondade interior. Isso é tranquilizador para milhões de pessoas que acham o pensar rápido um processo doloroso, mas é uma afronta a quem já leu um livro inteiro.
Longe de mim, vosso tio Dave, este velho e infeliz candidato a amante, posicionar-me contra o Amor, a Emoção e a Bondade. Mas esses filmes retratam a inteligência como vilã da vida.
Não há dúvida alguma de que os homens têm uma tendência natural a serem burros. Note, por favor, que usei o plural, o que cobre tanto homens quanto mulheres.
P. Por que os homens são tão burros?
R. Devido à testosterona.
Aparentemente a testosterona contém um supressor natural de Q.I. Inúmeros estudos e pesquisas anedóticas já comprovaram: quanto mais testosterona tem um homem, mais burro ele é.
Daqui a pouco você verá onde tudo isso nos leva, Joãozinho. Por enquanto, fique ligado.
Ao que parece, a testosterona é um alucinógeno.
Ela faz homens burros se acharem irresistivelmente belos quando estão deitados no sofá, de cuecas, comendo batatinhas fritas. Eles se acham Clark Gable quando proferem frases carinhosas do tipo: "Pegue uma cervejinha pra mim, fofa."
Essas fantasias masculinas só admitem uma explicação: os homens estão em estado de delírio induzido pela testosterona.
Mulheres dedicadas no mundo inteiro vêm trabalhando há anos para encontrar uma cura para a testosterona. Mas até o momento, elas ainda sabem mais sobre os sintomas do que sobre a doença.
Alguns estudiosos sugerem que a cura está no humor. Contar piada sobre homens burros parece fazer as mulheres se sentirem melhor.
O que deve fazer uma mulher se o homem se magoa com uma piada de "homem burro"? Pode dizer: "Claro que eu não estava falando de você, querido". A maioria dos homens são tão cegos —cegueira induzida pela testosterona— que acreditam nisso.
Bem, Joãozinho, voltamos ao nosso ponto de partida —os filmes que louvam a burrice devem faturar uma penca de Oscars.
"Nell" e "Forrest Gump" talvez te seduzam com suas doses altamente prazerosas, mas enganosas, de encanto superficial.
Abaixo da superfície, eles equacionam virtude com falta de inteligência. Quanto mais burros o herói e a heroína, melhores "pessoas reais" seriam.
São filmes anti-intelectuais, dos mais sedutores. Neles, a estupidez vira virtude e a inteligência, um lado negativo.
Sambalândia e Gringolândia têm em comum o temor e a repulsa pela habilidade intelectual. Ambas parecem dizer: "Se você é mais inteligente do que eu, não é uma pessoa de verdade".
"Nell" e "Forrest Gump" tranquilizam quem sofre para amarrar os cordões dos sapatos de manhã.
Neste nosso complexo mundo de computadores, globalização e gases tóxicos invisíveis, esse tipo de racionalização pode ser perigosa para a nossa sobrevivência.
A sofisticação hi-tech está tomando conta dos processos industriais do mundo em que vivemos, incluindo o Brasil. Hoje, se você não está familiarizado com computadores, corre o risco de tornar-se lacaio daqueles que estão.
É disso que falam esses filmes, na realidade. Existe uma platéia maior de lacaios lá fora do que de pessoas que usam a cabeça para outra coisa, além de pendurar o boné de trás para diante.
Hollywood é movida pelos números. Ela quer dinheiro grande. Um ingresso de cinema custa apenas alguns dólares, quer seja comprado por um burrinho ou por um intelectual. Há mais burrinhos do que inteligentes aí fora, Joãozinho —então me diga você mesmo para quem Hollywood faz seus filmes.
Nell não sabe nem dirigir um carro. O espectador que não consegue entrar na Internet sente-se tranquilizado e feliz vendo Jodie Foster curtir sua vida primitiva.
A linha de pensamento "burrice é boa" nega o esforço histórico do homem para entender o que o diferencia dos outros mamíferos, sem falar em aves, abelhas e pedras.
Se seguirmos a linha indicada por Hollywood, um triste futuro nos espera. Você pode confiar em Hollywood para seguir a trilha do dinheiro, e o dinheiro grande vem da população pouco instruída. Você não vai acreditar se eu te disser, Joãozinho, mas já estão produzindo filmes chamados "Dummies" (Burrinhos), "The Magnificent Idiot" e "The Stupids".
Ninguém vai jogar dinheiro fora num filme chamado, por exemplo, "A Intelectualidade Brasileira".

Tradução de Clara Allain

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