São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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Terra e Cidadania

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Acabo de assinar, por interesse social, decretos de desapropriação de terras que atingem 1 milhão de hectares. Essa área corresponde à soma de todos os laranjais de São Paulo. Trata-se da maior ação de reforma agrária feita no Brasil. Cerca de 17 mil famílias, um contingente aproximado de 80 mil pessoas, poderão receber seu pedaço de terra e iniciar uma vida nova, com a certeza de um futuro melhor.
Ganham as famílias dos "sem-terra", ganha o Brasil. Os 60 mil empregos gerados nos novos assentamentos rurais colocarão em produção áreas que se encontravam ociosas, servindo à especulação fundiária. Terra improdutiva que se transformará em terra de produção, gerando alimentos para aliviar a fome de muitos brasileiros.
O meu compromisso de campanha estabelece a meta de assentar 280 mil famílias nos próximos quatro anos. Esta meta deverá ser atingida de forma progressiva, iniciando-se, em 1995, com o assentamento de 40 mil famílias. O número aumentará a cada ano e prevemos que em 1998 sejam assentadas 100 mil. São números ousados, pois a média histórica anual, desde 1985, situa-se ao redor de 20 mil assentamentos.
Durante os governos militares, os grandes projetos de colonização em terras públicas deram a marca das ações fundiárias. Já nos governos democráticos, a reforma agrária foi impulsionada, fazendo com que a terra privada, porém ociosa, trocasse de dono. Até 1994, fim do governo Itamar Franco, o governo federal havia desapropriado 8,1 milhões de hectares de terras, instalando 850 projetos de assentamento para 143.500 famílias. Somando-se às ações dos governos estaduais, 13 milhões de hectares de terras foram incorporadas à produção rural, lavradas por 265 mil novos agricultores. Trata-se de inquestionável conquista da democracia brasileira.
Mas é preciso ir além. Muita injustiça continua a castigar os homens do campo, muita desigualdade ainda subsiste na agricultura. A reforma agrária, desapropriando terras ociosas para destiná-las aos pobres, é um imperativo para enfrentar a extrema desigualdade ainda existente no agro brasileiro. Por isso avançaremos, vistoriando as propriedades rurais que estejam sendo mal exploradas, visando preparar sua desapropriação por interesse social.
Não basta, porém, desapropriar terras. Além do necessário apoio aos novos assentamentos, outras políticas terão de ser implementadas para democratizar o acesso à terra e garantir melhores condições de emprego e renda na agricultura. A miséria social no campo precisa ser atacada em várias frentes. Não adianta somente a reforma agrária. É preciso mais.
Em primeiro lugar, é imprescindível formular e executar um decidido programa de apoio à agricultura familiar. Esse numeroso segmento de produtores rurais —as estimativas indicam cerca de 2,5 milhões— já possuem a terra, mas não conseguem produzir nem sobreviver com dignidade. Seja porque a terra é insuficiente ou de má qualidade, seja porque não tem acesso às modernas tecnologias, seja porque a competição do mercado o marginaliza.
É fundamental direcionar o esforço público, principalmente seus parcos recursos, para apoiar essa categoria de produtores, deixando que o mercado se encarregue do financiamento dos produtores capitalistas. Nesse sentido, determinei que, em 90 dias, o Ministério da Agricultura e da Reforma Agrária apresente um programa de fortalecimento da agricultura familiar no Brasil.
Em segundo lugar, é fundamental ampliar a educação no campo. Tenho afirmado sempre que sem educar o povo o Brasil não tem futuro. Isso vale mais ainda para o campo, onde as taxas de analfabetismo são maiores. Além de reforçar a educação básica, vamos desenvolver um programa voltado aos jovens agricultores.
Através da revitalização das escolas técnicas agropecuárias e contando com o apoio das universidades e demais órgãos governamentais, como a Embrapa e o Incra, vamos aprimorar os conhecimentos dos filhos de agricultores, capacitando-os a trabalharem com as novas tecnologias e aperfeiçoando o gerenciamento de suas atividades rurais. Esse treinamento deve, inclusive, servir como passaporte para os assentamentos da reforma agrária, credenciando os novos agricultores.
Em terceiro lugar, para enfrentar a miséria rural, será preciso desenvolver programas específicos direcionados para o Nordeste. Destaco, entre eles, a recuperação da cotonicultura. O algodão é cultura fortemente empregadora de mão-de-obra e plantada desde o semi-árido até o sertão. Sua revitalização, após a crise decorrente da praga do bicudo e dos baixos preços, é um anseio dos agricultores, especialmente dos pequenos.
O melhoramento genético dos rebanhos de bovinos e caprinos é outro programa de grande impacto na pequena produção rural, assim como a modernização do cultivo e da tecnologia de processamento do caju, que poderão oferecer excelentes oportunidades para a agricultura tradicional do Nordeste.
Essa é a base da política fundiária de meu governo: acelerar a reforma agrária e, ao mesmo tempo, desenvolver ações que fortaleçam os pequenos agricultores familiares e combatam a miséria rural, impedindo o êxodo através da criação de empregos no campo. Sem demagogia, sem violência, mas com a firme determinação de democratizar a propriedade da terra no país. Essa é a exigência da cidadania. Esse é o caminho do futuro.

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