São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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Macedônio faz filme de guerra renascentista

RICARDO CALIL

O diretor Milcho Manchevski fala sobre 'Antes da Chuva', que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro Da Redação
O cineasta macedônio Milcho Manchevski realizou um filme de guerra renascentista e contemplativo. Em parte porque "Antes da Chuva" trata de uma guerra que nunca existiu —os conflitos étnicos e religosos na Macedônia, única região da ex-Iugoslávia onde não há, atualmente, troca de tiros.
Mas, principalmente, porque Manchevski criou uma metáfora da guerra, radicalizando uma situação delicada para que ela não se transforme em tragédia.
Vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Veneza, "Antes da Chuva" concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro, coroando Manchevski em seu primeiro longa, depois de uma bem-sucedida carreira de videoclipes e filmes publicitários nos Estados Unidos.
Em entrevista à Folha, por fax, de Londres, Manchevski afirma que, mais do que a linguagem fragmentada do clipe e a estética publicitária, sua influência principal foi a pintura de Michelangelo, que, afinal, "fazia propaganda para a Igreja".

Folha - Apesar de haver realizado apenas um filme, sua carreira parece marcada por contradições —entre o videoclipe e o "filme de arte", entre o olhar folclórico e o moderno. Você acredita que este motivo levou "Antes da Chuva" a conquistar reconhecimentos tão díspares quanto o Leão de Ouro e a indicação para o Oscar?
Milcho Manchevski - Contradições são o cerne da arte. E, mesmo se não fossem, elas são parte de mim. Contradições são essenciais para chegar a um olhar multidimensional. Como espectador, fico impressionado com filmes, pinturas ou livros que lidam com contradições e que tentam agregá-las sob uma forte visão artística.
Eu tento atingir o que há de mais interessante em diversas expressões artísticas. Nenhuma forma de arte é má por si só. O problema é o que se faz com elas. Michelangelo, por exemplo, fazia propaganda para a Igreja.
Folha - Seu trabalho com a publicidade e o videoclipe faria supor um filme mais fragmentado. O resultado, ao contrário, é quase contemplativo. Que herança "Antes da Chuva" traz de sua carreira comercial?
Manchevski -O principal problema com diretores de clipes que realizam filmes é que eles esquecem que estão contando uma história sobre pessoas e se deixam levar pelos aspectos técnicos e visuais de seus trabalhos. Para mim, os sentimentos dos personagens e o modo como eles são apresentados são minha assinatura.
Com clipes e comerciais aprendi a ser econômico e preciso, a ir direto ao ponto. E, além disso, clipes são apenas uma parte de minha formação; os mestres Rembrandt e Michelangelo, os artistas contemporâneos Robert Rauschenberg, Joseph Beuys e Jean-Michel Basquiat, os grandes escritores como Milan Kundera e Dostoiévski e os compositores Mozart e Bach são outras grandes influências.
Folha - Alguns filmes recentes têm "distorcido" a idéia de um tempo cronológico, como "Short Cuts" e "Pulp Fiction". Você poderia falar sobre a importância do tempo circular para sua narrativa e sobre as diferenças e semelhanças de "Antes da Chuva" com estes dois filmes.
Manchevski - O cinema é um meio perfeito para explorar o significado do tempo e brincar com ele. A narrativa linear é o formato dominante, mas explorar várias formas de contar uma história é sempre bem-vindo. No meu caso, a forma e o conteúdo são o único meio para a mensagem no filme. Eu admiro "Short Cuts" e "Pulp Fiction". A diferença é como esse exercício formal se adequa à essência destes filmes.
Folha - Ao escolher um filme sobre conflitos étnicos e religiosos, haveria opções mais óbvias, como a guerra na Bósnia. Mas você escolheu uma região onde nenhum tiro foi disparado. Você radicalizou os conflitos macedônios em função da narrativa ou quis fazer uma advertência?
Manchevski - O filme não é um documentário sobre a Macedônia. Eu vejo o filme como um aviso sobre o que pode acontecer, mas também tento explorar a idéia do ódio como fomentador de longos conflitos. E, o que é mais importante, quero alcançar as emoções e os dilemas dos personagens.
Eu não me arriscaria a realizar um filme sobre a atual guerra na ex-Iugoslávia porque acho que nunca terei informações suficientes para abordar esse assunto.
Você poderia comentar os projetos em que está trabalhando atualmente?
Manchevski - Estou trabalhando em vários projetos, mas nenhum deles me satisfez. Um deles se passa no Império Turco na virada do século e na Nova York de hoje, simultaneamente. Outro é uma história de ficção científica. O terceiro é sobre uma pessoa que volta para casa para morrer, e fatos de seu passado se repetem.
Folha - Você acredita que a indicação para o Oscar e uma eventual vitória podem redirecionar os rumos de sua carreira?
Manchevski - Não acredito que ganhar o Oscar irá mudar minha vida, a não ser que eu o use para quebrar nozes.

Colaborou EDUARDO SIMANTOB, da Coordenação de Artigos e Eventos

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