São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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Clássico de Lévi-Strauss tem edição no país

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exatamente 40 anos depois de publicado na língua original, chega a notícia de que o livro considerado o mais importante escrito sobre o Brasil por um estrangeiro, "Tristes Trópicos", de Claude Lévi-Strauss, ganha uma edição brasileira comercial.
O livro sai em março de 1996 pela Companhia das Letras. Só tinha recebido no Brasil uma tradução de Wilson Martins para a editora Anhembi, nos anos 50, esgotada desde então. O tradutor da nova edição ainda não foi definido.
A feitura da versão brasileira estava impedida por uma edição portuguesa, da editora Setenta, que tinha a exclusividade dos direitos de publicação em língua portuguesa.
Depois de dois anos de embate judicial, a Companhia das Letras conseguiu os direitos. Houve disputa com outras, mas a editora convenceu a Plon, francesa, com o compromisso de editar diversas outras obras do antropólogo francês, ora com 80 anos.
A editora publicou em 1993 "História de Lince" e no final de 1994 "Saudades do Brasil", livro de fotos feitas pelo antropólogo no período 1935-1939, quando viveu aqui, lecionando na Universidade de São Paulo e viajando pelo país para estudar os povos indígenas.
Ainda no final deste ano a editora lança "Régarder Écouter Lire" (Olhar Ouvir Ler), em que Lévi-Strauss discute preferências artísticas e faz lúcidas queixas contra o modernismo, e "Saudades de São Paulo", título provisório.
Este último —que ele está organizando especialmente para o Brasil— reúne outras fotos, inéditas, do tempo que o antropólogo viveu na cidade. Um tempo em que, contou ele em uma entrevista, "dizia-se que em São Paulo uma casa era construída por dia".
"Tristes Tropiques" (1955) é tido até hoje como o "clássico" de Lévi-Strauss, seu livro seminal ou, como dizem os franceses, "chef d'oeuvre", a locomotiva de todos os trabalhos seguintes.
É também, entre eles, o livro escrito de maneira a mais flexível e porosa. Lévi-Strauss rejeita a qualificação: para ele, a escritura aí é "frágil" demais.
Entende-se a rejeição. Como trabalho jovem, o livro não tem a aridez do esquematismo que nos outros livros é resultado de seu desenvolvimento teórico, do estabelecimento de seu método estruturalista, que prega a busca de uma configuração essencial por trás do caos aparente dos fatos.
Mas isso é onipresente em "Tristes Trópicos". A grande lição comum que Lévi-Strauss tirou de suas visitas aos povos indígenas brasileiros e do estudo dos mitos cultivados por eles é a semelhança com os da América do Norte. E, dessa lição, concluiu que os primitivos ameríndios (da América) se distinguem dos indo-europeus na organização de suas sociedades.
Os indo-europeus praticam dualismos sociais estritos, definidos, ao passo que nas sociedades ameríndias o equilíbrio social nunca se completa, há sempre um grau de desordem, uma entropia. Tal entropia lhes permite abertura maior ao que é novo ou estranho.
Logo, o universo de que Lévi-Strauss partiu era pontuado de generalizações, muitas de teor rousseauniano e tear marxista. Daí o frescor estilístico de "Tristes Trópicos" e a crescente rigidez (comparativa) dos trabalhos posteriores, como "Antropologia Estrutural" (1958) e "O Cru e o Cozido" (1964), por mais brilhantes.
O caráter inaugural e o estilo fluido de "Tristes Trópicos" validam seu título de "clássico". Se não fosse, não inspiraria romancistas como John Updike (em "Brazil") e, agora, Michael Krüger —no recém-lançado "A Última Página" (leia texto ao lado).

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