São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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Sinal amarelo

Nem o mais renitente pessimista seria capaz de imaginar, no dia 1º de janeiro, quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse, que menos de 90 dias depois, ao terminar março, o desgaste do governo seria tão grande como é hoje.
Para qualquer lado que se olhe, o céu de brigadeiro que parecia se abrir a um presidente eleito com folga está hoje repleto de nuvens, cinzas algumas, negras muitas.
No lado político, uma sucessão de episódios demonstra que a maioria governista é volátil. O mais marcante deles é bem recente: a decisão de anteontem da Câmara de fatiar a reforma da Previdência.
Pior, sobram indícios de que, para consolidar a maioria, o governo sucumbirá à tentação de recorrer ao lamentável "é dando que se recebe", uma fraseologia que apenas cobre de uma pátina poético-religiosa o mais cru fisiologismo.
No lado econômico, arquiva-se rapidamente o ufanismo de um crescimento de "tigre", projetado com a eleição do presidente. Hoje ainda poucos especulam com a hipótese de uma recessão, mas a palavra desaquecimento já faz parte da lógica dos agentes econômicos.
Para piorar as coisas, o episódio da mudança da banda cambial, no início do mês, levantou uma nuvem de indagações e suspeitas. À margem de qualquer análise que se faça dos números contraditórios esgrimidos de parte à parte, o fato indesmentível é que saiu arranhada a aura de eficiência de uma equipe econômica que, até então, parecia inatacável sob qualquer aspecto.
Hoje, ainda que os fatos venham a conferir a ela um atestado de santidade, o erro técnico na operação cambial quebrou parte do encanto.
Como se fosse pouco, o cenário internacional em que se move o governo Fernando Henrique Cardoso é muito diferente do que era a 3 de outubro, quando se elegeu.
No intervalo, houve a crise mexicana e a cornucópia de dólares que se imaginava inundaria o país ganhou sinal invertido. Hoje, os dólares saem em vez de entrar e não há um só analista que imagine uma nova reversão da tendência pelo menos para este ano.
Só o presidente da República parece indiferente às mudanças. Limita-se a disparar críticas aos adversários das reformas que encaminha ao Congresso, com lentidão. Mas as críticas, os adversários e as dificuldades já eram —ou deveriam ser— conhecidos há muito.
O que mudou, de lá para cá, é que o candidato, que vendia otimismo e confiança na campanha, transformou-se em um presidente que atua na defensiva, lento e tímido nas iniciativas. O sinal amarelo está aceso. Depende da reação do presidente fazê-lo retornar ao verde. Permitir que passe ao vermelho seria imperdoável.

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