São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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O destino de Arida

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — A leitura de todas as reportagens e depoimentos em comissões do Congresso, combinada com conversas de bastidores sobre o suposto vazamento de informações do Banco Central, deixou-me convencido: só com esse material não se pode condenar Pérsio Arida.
Desconfio profundamente (embora não possa ainda garantir) que ele é vítima de uma injustiça, construída por uma rede de insinuações. Algumas provocadas por sua própria ingenuidade, ao exibir intimidade transparente com um banqueiro. Desconheceu a maldade do poder e uma antiga frase do deputado Delfim Netto, para quem "paulista em Brasília é baiana mal-ajambrada".
O ponto: não há uma única prova (ainda, repito) capaz de responsabilizá-lo por algum vazamento. Mas seria bom que ele ficasse no cargo?
É um privilégio qualquer governo contar com um auxiliar de tamanha inteligência, criatividade e capacidade intelectual. Alguém que, na maior parte de sua vida, debruçou-se em livros e debates.
Injusto ou não, o fato é que sua imagem está trincada. Dificilmente ele vai se livrar da suspeita de ter cometido algum deslize. Insinuação de vazamento é, ao mesmo tempo, difícil provar, mas também difícil de ser desmentida.
Está instalado o foco da desconfiança e, portanto, da suspeita de que, mais cedo ou mais tarde, Arida pode cair. Cria-se instabilidade num momento em que o front externo está em chamas, ameaçando o real. A crise do México ou da Argentina é produzida lá fora. Arida é uma crise "made in Brazil".
Essa relação é tão cruel como óbvia. É a tal história da mulher de César: não basta ser honesta, tem de parecer honesta —ainda mais se tivesse de cuidar do dinheiro de uma nação. A cada decisão do Banco Central vão surgir fofocas e novas insinuações. Cada eventual lucro financeiro de algum banco será interpretado, por muitos, como trilhas de delinquência. Vai ser insuportável.
Apesar de defender a honestidade de seu auxiliar, o presidente Fernando Henrique Cardoso certamente já está pensando se a permanência de Arida à frente do Banco Central mais ajuda do que atrapalha —uma reflexão que, duvido muito, Pérsio Arida não faça.

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