São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
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D. Bosco e Juscelino

JOSÉ SARNEY

A idéia de mudar a capital vem de longe. Nasceu com a Independência. José Bonifácio defendia a necessidade de encontrar modos e meios de construí-la no interior. Sua idéia era que fosse a capital um instrumento de unidade nacional. Já Hipólito José da Costa pregava a mudança com uma visão do caminho para o desenvolvimento do coração geográfico do país.
O sonho de d. Bosco era outro, sem dúvida uma profecia, e só os santos sabem o que é adivinhar o futuro. A ele se atribui a antevisão da construção de uma cidade que se acredita ser Brasília. Não havia nenhuma conotação política. Juscelino agarrou a idéia como um símbolo e o cumprimento de uma disposição constitucional que fazia parte das idéias republicanas. Ele sintetizava todas as visões do passado, mas agregava uma de caráter totalmente pragmático: "É impossível governar no Rio, as pressões são muito grandes".
Fui um dos poucos deputados da UDN a apoiar a mudança da capital, ao lado de Emival Caiado, Edílson Távora, Seixas Dória, Ferro Costa. Meu apoio era um pouco da visão intelectual de Hipólito José da Costa, que via o centro geográfico como capital, e dali se irradiando uma nova frente de crescimento do interior do Brasil, com repercussões que iriam à Amazônia e ao Nordeste.
Transformaram a cidade na cidade onde se pode obter soluções mágicas, pela pressão. Justamente o monstro de que falava JK. E, se era impossível governar no Rio, hoje, pior ainda é governar Brasília. A cidade ficou velha e está precocemente antiga. O Plano Piloto e o DF como um todo tiveram o seu planejamento destruído, a começar pela chamada Cidade Livre, feita como acampamento que depois desapareceria, tornada definitiva por um projeto do então deputado Breno da Silveira e, a partir de então, porta aberta para outras cidades sem planejamento.
A velha tese do Lênin, de que devemos manter os governos sob pressão, obstruir decisões, imobilizá-lo para que da anarquia e da paralisia venha o caos e possa nascer a revolução salvadora, desapareceu do mundo, mas permaneceu viva, como um fóssil político, aqui.
Todos os dias há um movimento que se destina a acuar o governo. Ônibus do Brasil inteiro vêm cheios de gente para o turismo da reivindicação e do protesto. Há dez anos é assim.
Disse-me um amigo que encontrou um desses manifestantes e perguntou-lhe a profissão. Respondeu-lhe: "Sou contestador profissional, tenho oito anos de experiência, faço a mais barata manifestação de protesto de Brasília, com preço módico. Tenho todo o material necessário de bandeiras e faixas. Comecei no 'Fora Sarney', logo depois da morte do Tancredo, e já estou no 'Fora Fernando Henrique'."
Brasília foi edificada para livrar os governos da pressão, segundo JK. Deu-se o inverso. O Rio foi invadido pela violência, e a capital federal pela deformação da liberdade democrática, pela agitação partidária, manipulada, profissionalizada, sem nenhuma característica do questionamento democrático, não para ajudar a decidir, mas com o propósito de complicar e bloquear decisões.
Foi esse o sonho de d. Bosco e Juscelino?

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