São Paulo, sábado, 25 de março de 1995 |
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Aonde vai o real?
JOSUÉ MACHADO
Por que aonde? Distração ou sabotagem do computador, que costuma, mesmo, estragar belas peças publicitárias. Ou teria o real redator concluído que por haver na oração um verbo de movimento (ir) o aonde estaria bem-posto na vida? "Ele vai aonde você estiver." Se não foi nem distração nem sabotagem, terá sido engano. Verdade que o verbo "ir" está lá, mas perto de "estar". Diante disso, convém lembrar o uso de onde e aonde. Como aprendemos nos bancos escolares ou nas mesas de botequins, o advérbio onde indica estada, permanência "em" um lugar. Ele está lá e de lá não sai, até que o tirem. "Sabemos todos onde (em que lugar) aquele rapaz quer sentar-se." "Você sabe onde (em que lugar) está o aposentado brasileiro?" "Este é o corredor onde eles recebem as propinas." Quanto a aonde, indica movimento "para" um lugar. Ele se compõe da preposição "a" e do advérbio "onde". Emprega-se com verbos que pedem a preposição "a", expressando mudança para qualquer ponto, "ir" e sinônimos. Disso todos sabemos. "Eu sei aonde (para que lugar) se dirige o país." "Aonde (a que lugar) foi aquele marajá, todo pimpão, depois de inocentado pelos juízes?" Todos gravamos corretamente essa noção, mas muitos escribas, às vezes bons, escorregam graciosos entre onde e aonde se houver na frase verbos de regências diferentes: um dinâmico, de movimento (ir), que exige o "a", e outro de permanência, estático (estar), que repele o "a" embutido em aonde, e exige "em", como no caso do anúncio. É simples: os dois tipos de verbos, juntos na mesma frase, rechaçam a presença de tais advérbios, como o Congresso repulsa o coronelismo clientelista. Nesses casos, escorrega feio quem usa onde ou aonde, porque um verbo rejeita um e, o outro, outro. Não fica bem, é obsceno e está errado, dizem as pessoas mais cuidadosas com a língua. O que fazer? Procurar uma opção melodiosa, concisa, de preferência sem nós discutíveis, para não ser apontado como distraído ou, pior, classificado de pouco, muito pouco sábio. Usa-se "em que", "em que lugar", "a que lugar" e outras formas adequadas à frase com o mesmo significado, não é preciso dizer, nem diremos. Pensando bem, no caso do anúncio, não houve nem distração, nem sabotagem nem engano. É claro que o redator do anúncio conhece todas essas regências e adverbialidades singelas, embora pouca gente se importe com elas, convém admitir. É quase certo que preferiu atropelar a regra para ficar com a forma concisa. Danem-se as regras, terá pensado. Se estivesse preocupado com a torcida, escreveria corretamente para ninguém botar defeito: "Ele vai ao lugar em que você estiver." Talvez tenha considerado que a frase correta do ponto de vista gramatical engordava e ainda ganhava o áspero e encaroçante "que". Por isso, quem sabe, preferiu afrontar a norma pouco conhecida e ficar com o escorregadio "aonde". Ninguém teria coragem de julgá-lo menos sábio, pensou modestamente. Pensou bem. Muito bem. Muitíssimo bem. Considerando-se o real anúncio e a salada adverbial, pode-se parodiar, invertendo, o conselho dado aos muitos pecadores (e pecadoras) que vivem beliscando aqui e ali temerariamente no bem-bom. "Em caso de dúvida, use camisinha." Pois em caso de dúvida não use onde e aonde. JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pala PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas. Texto Anterior: Fim de povoados mineiros é acelerado pelas chuvas Próximo Texto: 'Olimpíada' indígena espera reunir 300 atletas no Mato Grosso do Sul Índice |
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