São Paulo, sábado, 25 de março de 1995
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Jean-Paul Sartre foi maior que o existencialismo e sua vida pessoal

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Jean-Paul Sartre é o nome de muitos personagens que se abrigaram sob a aparência de um baixinho estrábico e feio, teimoso e com certeza um dos homens mais ecléticos e brilhantes que a intelectualidade francesa já produziu.
Há em primeiro lugar o filósofo de "O Ser e o Nada" (1943) ou de "O Existencialismo É um Humanismo" (1946), que afirmava só haver realidade na ação e que esta é o caminho da angústia.
Fórmulas do gênero podem parecer excessivamente herméticas. Mas era uma maneira de colocar a vontade do sujeito como força motriz de sua própria história e sua liberdade como um dado absoluto. Em nome dela, Sartre rejeitou Freud e a psicanálise.
Sartre foi também o dramaturgo de "As Moscas" (1943), em que o mito de Orestes dá acesso a uma profusão de ilações sobre a cumplicidade do homem com a tirania que o fere. Um terceiro Sartre foi o novelista de "A Náusea" (1938), texto ansioso, de extrema precisão. Em 1964, ele recusa o Prêmio Nobel de Literatura.
Entre 1952 e 1956, Sartre adere ao Partido Comunista. É o período mais inglório de sua biografia. Não é propriamente um "aparatchik" acrítico. Mas em nome da ortodoxia rompe com Merleau-Ponty, com quem fundara a revista "Les Temps Modernes".
Os Sartres dos anos 60 e 70 assumem um perfil de radicalismo militante. Apóiam os estudantes em Maio de 1968 e aderem ao grupo Esquerda Proletária. Ao mesmo tempo, mantêm intacta sua lealdade para com Israel e se opõem à chamada causa palestina.
Tornando-se gradativamente cego, cercado de bajuladores e amantes circunstanciais, o último Sartre, patético, foi desvendado após a morte. Simone de Beauvoir, sua companheira de 40 anos, revela em "A Cerimônia do Adeus" (1981) o declínio físico de um ancião infantilizado e com incontinência urinária.
Duas de suas ex-namoradas publicam detalhes misóginos de seu comportamento. Uma delas, depois de deflorada, ouve de Sartre a constatação de que a camareira do hotel estranhara ao limpar pela segunda vez na semana o lençol manchado de sangue.
Pouco importa. Na tarde fria de 19 de abril de 1980, eram 60 mil as pessoas que desciam pela avenue Général Leclerc, em Paris, acompanhando seu esquife. Os franceses, em massa, despediam-se de seu maior filósofo.(João Batista Natali)

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