São Paulo, sábado, 25 de março de 1995
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O real e o oficial

Já há no Brasil farta literatura tratando do descompasso entre o Brasil real e o Brasil oficial. Mas o presidente do Banco Central, Pérsio Arida, resolveu dar a ela a sua contribuição pessoal, no depoimento que prestou à Câmara dos Deputados na última quinta-feira.
À margem da questão cambial, tema de sua convocação, Arida pôs a ênfase de sua exposição no risco do excesso de consumo, com o decorrente perigo de reaquecer a inflação. É a visão do Brasil oficial.
No Brasil real, o temor dos agentes econômicos, no momento, é exatamente o inverso, qual seja, o risco de que as medidas anticonsumo decretadas pelo governo, acopladas a uma nova elevação dos juros na esteira da desvalorização do real, levem ao desaquecimento da economia e, no limite, à recessão.
Dias atrás, o ministro do Planejamento, José Serra, havia usado uma metáfora automobilística para definir a situação: a economia estaria rodando a 180 km/h e o governo precisava aplicar freios para reduzir a velocidade a cerca de 100 km/h.
Até aí, nada a objetar. É óbvio que um aumento mais rápido do consumo do que da capacidade de produção tende a gerar inflação. É clássico. Mas, quando o carro da economia já está reduzindo sua velocidade, é crucial a habilidade do piloto para evitar que pisar no freio signifique um solavanco grave.
Na questão dos juros, parece estar havendo exatamente o excesso temido na aplicação de freios. A nova elevação da taxa, em função da crise cambial, não funcionou como elemento de contenção da saída de capitais. Os números são eloquentes: até o dia 22 passado, cerca de US$ 5,3 bilhões haviam deixado o país contra entradas de apenas US$ 1,4 bilhão. Saldo negativo, portanto, de US$ 3,9 bilhões.
Tudo leva a crer que tanto a velocidade correta do carro da economia como a contenção da sangria de divisas dependem de fatores não apenas econômicos, mas também psicossociais: a confiança.
É exatamente esse insumo que o governo vem desperdiçando.

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