São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Escolas fecham cartilha 'alternativa' e tentam encarar a realidade dos 90

CRISTINA GRILLO; FERNANDA SCALZO
DA SUCURSAL DO RIO

FERNANDA SCALZO
A educação indulgente, o culto à auto-estima infantil e a falta de disciplina são responsáveis por gerações mal-educadas, apáticas e amorais, afirma o psicólogo e pedagogo William Damon.
No mês passado, Damon lançou nos EUA o livro "Greater Expectations" (Expectativas Maiores), pela editora The Free Press, a mesma do polêmico "A Curva do Sino"—que procura estabelecer relações entre capacidade intelectual e raça.
Em um mês, o livro atingiu a terceira edição, gerando nos círculos acadêmicos norte-americanos impacto similar ao provocado por seu antecessor.
"Nos nossos tempos a disciplina se tornou um tópico de acirrada controvérsia, quando deveria continuar sendo o que sempre foi: uma questão de simples bom senso", diz o autor.
No Brasil, onde se impôs nas décadas de 60 e 70 uma tendência "libertária" no campo educacional, o problema também está na ordem do dia. Com a agravante de que, entre nós, como observa o psicanalista infantil Bernardo Tanis, 38, registra-se uma "cultura macunaímica".
O psicanalista refere-se ao mito do "herói sem caráter", cujo perfil foi desenhado pelo modernista Mário de Andrade (1893-1945). "A transgressão aqui é regra. Tem pai que, quando o filho conta que transgrediu, que furou uma fila, por exemplo, responde: Legal, você não é um boboca", diz.
As preocupações de Damom e Tanis não são alheias às discussões hoje em curso nos meios educacionais dos grandes centros brasileiros. "Liberais nunca mais" parece ser a palavra de ordem das instituições que surgiram como alternativas ao ensino tradicional.
Filhas do movimento "escola novismo", as experimentais brasileiras já fizeram seu "mea culpa" e dizem a quem quiser ouvir que conteúdo e disciplina são fundamentais.
Normalmente associadas aos movimentos contra o regime militar, essas escolas eram pequenas ilhas de liberdade que procuravam proteger as crianças do autoritarismo vigente.
Contestadoras, libertárias, as "alternativas" apostavam todas as suas fichas na "criatividade", em oposição à cartilha das escolas tradicionais.
"As teorias educacionais dos anos 70 achavam que a educação poderia transformar alguma coisa na sociedade. Hoje ninguém mais acredita nisso", diz Neide Miranda Filha, 47, diretora do Ceat, que foi uma das escolas mais avançadas do Rio de Janeiro.
Se hoje do ponto de vista ideológico ser "liberal" não faz mais sentido, do ponto de vista mercadológico também não faz. "Educação liberal ficou sinônimo de escola fraca, em que tudo é permitido" diz Ricardo Mesquita, 41, diretor pedagógico do 2º grau do Colégio Oswald de Andrade.
"Tenho horror a essas palavras 'liberal' ou 'alternativo"', diz Teresinha Fogaça de Almeida, 44, educadora e proprietária da escola Ágora. Por estar instalada numa enorme área verde, perto do "alternativo" recanto do Embu, em São Paulo, a Ágora é muito procurada por pais ex-hippies, que acabam, depois, tirando seus filhos por considerarem o sistema "muito rígido".
Mesmo que quanto ao espaço físico, à avaliação dos alunos ou até aos métodos pedagógicos, muitas escolas ainda guardem distância de um ensino mais ortodoxo, nenhuma delas abre mão hoje dos conteúdos obrigatórios.
"A escola experimental não tinha conteúdo. Ela queria formar indivíduos críticos a partir do nada, então formava uns chatos", diz Zélia Cavalcanti, 46, coordenadora pedagógica da Escola da Vila, fundada em 1979, a partir da ultra-alternativa Criarte.
Também o que se chama "disciplina" na escola tradicional está presente em todas as escolas hoje sob o nome de "limites".
Hoje mais preocupadas em formar cidadãos responsáveis do que egos inflados, as escolas vêem na vida em sociedade, no respeito pelo outro e na cidadania o lugar dos limites —e o caminho para a realização.

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