São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O 'por fora' ameaça o SUS

LUÍS NASSIF

Um dos princípios básicos do governo Fernando Henrique Cardoso era não entregar pastas a profissionais da área, para impedir que interesses corporativistas se impusessem sobre os interesses gerais. Essa sábia medida não foi seguida na indicação do médico Adib Jatene para o Ministério da Saúde.
Dr. Jatene é um defensor da cobrança "por fora" —ou seja, de o paciente pagar ao médico e ao hospital um adicional sobre o que já é pago pelo SUS.
Inicialmente, lançou a idéia como um balão de ensaio na imprensa. Depois, assumiu a bandeira. Agora, a idéia virou proposta oficial, embutida no pacote da Previdência. Interessa aos médicos e hospitais. Seguramente, não aos pacientes. E pode liquidar com a mais importante obra federativa e social da República: o SUS (Sistema Unificado de Saúde).
Enquanto foi permitido, o médico Jatene sempre trabalhou dentro desse esquema. Internava o paciente pelo Inamps e cobrava por fora seus honorários e os da equipe —tudo de maneira aberta e legal.
Há cerca de cinco anos, a Saúde decidiu proibir o "por fora", porque médicos e hospitais passaram a dar preferência absoluta a quem podia complementar o pagamento, em detrimento da rapa. Nos hospitais, especialmente do interior, leitos de enfermaria e ambulatórios foram desaparecendo, substituídos por apartamentos destinados a quem podia pagar. E tudo sendo financiado pelo Inamps.
Repetindo o erro
Com a proibição, o "por fora" prosseguiu de maneira marginal. E, bem ou mal, o SUS permitiu a gradativa recomposição do atendimento à população de baixa renda.
Simultaneamente, a eclosão da indústria da saúde —planos, convênios e seguros— resolveu o problema do pessoal de renda mais alta, com vantagens para o sistema. No "por fora", o Inamps tinha que bancar parte da conta. Com os planos de saúde, a conta passou a ser debitada às empresas patrocinadoras, desonerando o sistema.
Na medida que a prática do "por fora" for reinstituída —e garantida por lei—, o contingente da população que atualmente está no seguro-saúde entrará novamente para o SUS, e terá preferência no atendimento. Livram-se os médicos dos limites de pagamentos dos planos de saúde, os planos de saúde do financiamento dos procedimentos mais onerosos, e joga-se tudo nas costas do SUS.
A influência que os médicos detêm junto aos hospitais e Santas Casas terá um valor inestimável. O médico passará a incorporar aos seus honorários a capacidade de incluir seus pacientes nas vagas do SUS —o que já ocorre, hoje em dia, em algumas das melhores casas de São Paulo.
Nosso Robin Hood às avessas conseguirá esse primor de eugenia social —do conjunto da população pagando pelo bem-estar dos mais bem aquinhoados.
É bom que o presidente da República fique de olho. O que diferencia seu governo do que é comumente chamado de "neoliberalismo" é a distinção clara entre a parte do Estado que deve ser reduzida e a que deve ser ampliada —educação e saúde.

Texto Anterior: Japão rediscute seu modelo econômico
Próximo Texto: Estabilidade do real depende do controle das importações
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.