São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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'Um viajante espacial acabará com as dúvidas?'

WOLE SOYINKA

A origem do Universo — essa questão, incontestavelmente em primeiro lugar na lista do que não sei, sem dúvida introduziu-se no meu catálogo de mistérios a partir do momento em que o mito cristão da criação do começou a balançar em mim, quando eu tinha cerca de treze anos.
Antes de deixar a casa paterna, rejeitei totalmente o cristianismo, para grande desespero de meus pais. Devo dizer que não me lembro realmente qual rejeição veio primeiro —a do próprio cristianismo ou a de seus mitos.
Na verdade, comecei muito cedo a desenvolver uma visão de preferência panteísta do Universo, o que só fez aumentar minha curiosidade em relação ao advento dele em primeiro lugar.
Desde então segui atentamente um certo número de teorias que absorveram físicos e astrônomos de todo tipo nas páginas científicas dos jornais de domingo, que nunca deixam de atiçar meu espírito.
Senti uma verdadeira emoção, um dia, quando uma revista dedicou seu artigo principal às pesquisas de um professor de Cambridge, que por sinal era paraplégico. Eu me perguntava se era possível que esse gênio tivesse recriado o Universo na sua cabeça.
Uma idéia que me vem à mente enquanto escrevo essas linhas, de que essa curiosidade que faz de mim um "louco pelo espaço" pode ter uma explicação inconsciente. Não perco um único lançamento espacial, seja americano, chinês, russo, europeu etc., como se minha vida dependesse dele, segurando o fôlego durante a contagem regressiva, nas horas mais improváveis do dia e da noite.
Será que tenho esperança de que, um belo dia, um viajante do espaço poderá ver alguma coisa, fazer alguma prova que dissipará todas as outras dúvidas?
Quando criança, eu queria ser piloto. Depois foi a marinha. Em seguida, planejei ser advogado, já que censuravam meu espírito de contradição.
Na verdade, preferia escrever novelas dramáticas com meus colegas de classe, e subia no palco nas noites de espetáculo no internato. Suponho que comecei a gravitar em torno da literatura nessa época.
A origem de meus escritos encontra-se na epopéia africana e na poesia lírica. Cresci cercado de livros que devorei avidamente.
A literatura me abriu uma espécie de mundo exótico. Na minha infância, o mundo era principalmente o da Inglaterra vitoriana, através da obra de Dickens que enchia a biblioteca de meu pai.
Inútil dizer que me identificava principalmente com personagens como Oliver Twist. Na Nigéria, eu ignorava até a existência da literatura chinesa ou japonesa, porque o programa escolar era quase inteiramente britânico. Foi só quando fui para a Inglaterra para meus estudos que comecei a me aventurar fora do programa universitário para descobrir as literaturas e as culturas das outras civilizações.
A Inglaterra foi uma revelação. Verifiquei que os ingleses não eram os deuses que tentavam ser na Nigéria. A Inglaterra conhecia a pobreza e a sujeira. Leeds era suja. Eu ignorava que pudesse ter tanta sujeira no mundo — as paredes eram imundas.
O que me leva de volta à criação do Universo. Uma explicação realmente racional me parece, no momento, além dos mais sofisticados instrumentos ou projeções mentais.
Mas um desses dias, os mais escuros segredos do espaço além do espaço serão esclarecidos. Então, a visão cósmica Yoruba de mundos que se inter-relacionam —os ancestrais, os vivos e os ainda não nascidos— irá encontrar uma correlação triunfante no Universo da astrofísica.

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