São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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A viagem maravilhosa de Méliès

CABRERA INFANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

As sessões do festival de Cannes começam com uma frase comum em francês, mas que a repetição torna ritual: "La séance commence". Em nenhuma das línguas que conheço a tradução chega perto de sua eficácia e mistério: "Comienza la función" ou "The show is about to begin" não têm o mistério nem o significado que encontro no francês, em que "séance" evoca todos os espíritos e a intervenção de Madame Blavatsky, espírita magna.
O que Milton reuniu diante de seus olhos de cego e de poeta, Homero inglês: "inúmeros espíritos armados/ em luta incerta", pode ser uma perfeita evocação dos filmes de aventura que jamais viu. Os "inúmeros espíritos" são as sombras vagas convocadas sobre o lençol branco da tela, a envoltura do espectro que ainda não tem cor: não é o espectro solar, mas o enigma da noite e da lua.
Georges Méliès foi o primeiro mágico, o primeiro cineasta, o primeiro a convocar a fantasia, deixando para trás aqueles irmãos Lumière que só viam operários saindo de uma fábrica, um trem entrando na estação ou quem sabe um jardineiro regado numa espécie de pornô para bobos. Mas não para Le Grand Géo. Para Méliès, só existia a possibilidade da viagem: os primeiros homens no espaço e o foguete disparado que iria ferir o olho da lua mirando a noite, invenções que tornavam possíveis não apenas o cinema como também o trânsito maravilhoso.
Méliès estava preparado para seu futuro papel por ter sido mágico, ilusionista e ventríloquo, adiantando-se aos atores que falariam com uma voz deslocada.
Méliès, além do mais, tinha comprado o teatro Robert Houdin (do qual era dona a viúva do mágico: não se lembram de seu imitador, que ousou nomear-se o Grande Houdini?) e se destacou como mestre do ilusionismo: as ilusões viriam com o cinema. Foi ele, então, o primeiro a dizer: "A aventura vai começar", e anuncia "la séance".

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