São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Símbolo da guerra se refugia no Canadá

SHARON CHURCHER; CHESTER STERN
DO THE MAIL ON SUNDAY, EM TORONTO

CHESTER STERN
Para seus vizinhos num bairro operário de Toronto ela é uma mãe anônima. Mas para o mundo ela é o símbolo humano da brutalidade e selvageria da Guerra do Vietnã.
Entre inúmeras imagens que captaram aquela guerra sangrenta e aterradora, a mais potente e arrasadora permanece: a de uma menina nua e apavorada, gritando de dor enquanto foge de ataque com napalm contra sua aldeia, Trang Bang, a 64 km de Saigon.
Hoje Phan Thi Kim Phuc é uma mulher de 32 anos. Depois de ser utilizada pelos vietnamitas para propaganda anticapitalista, exposta pelo regime marxista como dolorosa prova do colonialismo, ela vive escondida no Ocidente, fugitiva dos comunistas que a manipularam durante quase toda sua vida.
O medo de Kim é tão grande que mesmo seu pai e sua mãe, no Vietnã, nos disseram na semana passada que não têm notícias dela há mais de cinco anos. Eles não sabem que ela se casou e tem um filho de 11 meses, Thomas.
Todas as noites choro por minha linda menina, disse a mãe de Kim, Duong Ngo Nu.
O simbolismo de seu exílio é enorme. Tendo sido doutrinada por supervisores políticos, assim que atingiu a idade adulta Kim voltou as costas à ideologia esquerdista, buscando refúgio entre aqueles que fora ensinada a odiar.
A vida dela ficou marcada pelas bombas químicas que choveram sobre ela em 1972, aos nove anos.
Seu corpo ainda carrega as cicatrizes: cristas vermelhas, parecendo cordas, sobre suas costas, seu peito e seu braço esquerdo. Ela sofre de diabetes e dores de cabeça. Mas é das cicatrizes mentais que Kim está tentando escapar.
Em 1986, após uma década de tratamento médico malsucedido no Vietnã, o chanceler vietnamita Vu Hac Bong chamou Kim a ir à Cidade de Ho Chi Minh, ex-Saigon.
Ele disse a Kim que ela tinha sorte porque seria enviada a Cuba, para cumprir missões de boa vontade em prol da causa.
Em Havana, passou seis anos na faculdade. Ela se apaixonou por outro vietnamita, Bui Huy Toan, 34, e se casaram. Então, em outubro de 1992, Kim desapareceu.
Há dois anos, Kim e seu marido conseguiram comprar passagens de avião para Gander (Canadá).
Segundo funcionário do serviço de informações, ela disse ao departamento de imigração: Estou cansada de ser utilizada como símbolo de propaganda política.
Desde então, Kim, seu marido e Thomas vivem na clandestinidade, mudando de um endereço a outro no bairro chinês de Toronto.
Embora a família inteira tenha autorização de residência no Canadá, Kim se mostra cautelosa ao falar sobre o legado de ter sido utilizada para fins políticos.
Não é apenas o medo de retaliação por parte dos vietnamitas que a levou a esconder seu paradeiro até mesmo de sua família.
Muitos de seus conterrâneos, que escaparam para o Ocidente em barcos muito antes de sua própria fuga, a culpam por ter se vendido aos comunistas.
Kim vive num apartamento de segundo andar, decorado com alegres gravuras do Canadá.
É um estilo de vida simples —mas representa um mundo de luxo e oportunidades para a garota criada em meio aos campos ensanguentados do Vietnã do Sul.
Durante os 13 anos da campanha militar norte-americana, o pai de Kim Phuc era lavrador. Sua mãe tinha um pequeno restaurante.
A vida de Kim mudou no dia 5 de junho de 1972, quando tropas comunistas ocuparam Trang Bang.
Foram convocados soldados do Exército sul-vietnamita, apoiado pelos americanos, e um sangrento bombardeio teve início.
Habitantes do povoado de Trang Bang abandonaram suas casas e se abrigaram no templo Codai.
Por dois dias o templo esteve no centro de uma tempestade de fogo de artilharia, bombas e foguetes.
No terceiro dia, as crianças tinham acabado de sair do templo quando jatos sul-vietnamitas lançaram quatro bombas e quatro tonéis de napalm. A área toda foi consumida por uma bola de fogo.
Kim foi atingida por gotas de napalm. Arrancando suas roupas em chamas do corpo agonizante, ela correu, uivando de dor, em direção à câmera de fotógrafo Nick Ut e a um lugar na história.
Ao lado, com o rosto contorcido de dor, estava seu irmão Phan Thanh Tam. Atingido, gritava nong qua, nong qua (quente demais, quente demais).
Tradução de Clara Allain

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