São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Balseiro cruza campo minado e retorna a Cuba

MAURICIO VINCENT
DO "EL PAÍS"

Os balseiros cubanos talvez sejam os únicos no mundo a arriscar a vida duas vezes para chegar exatamente ao mesmo lugar. Primeiro se lançaram a um mar coalhado de tempestades e tubarões em barcos feitos de câmaras de borracha e pranchas carcomidas.
Seu objetivo era chegar ao paraíso de Miami (EUA), mas seus heróis os recolheram e encerraram na base naval de Guantánamo, onde há seis meses sobrevivem como prisioneiros.
São cerca de 30 mil pessoas. Centenas de refugiados já começaram a voltar para suas casas, atravessando os "campos do paraíso", cheios de minas.
O marine norte-americano despediu-se do cubano com um suave "good luck" ("boa sorte") que lhe gelou o sangue. Não usou de violência, nem sequer pediu que voltasse atrás quando escalou a cerca do acampamento e andou em direção à cerca de arame farpado triplo que separa Cuba da base naval de Guantánamo.
Mandy sabia que na fronteira havia 1,5 km de "terra de ninguém", e que ali se encontrava o maior campo minado ativo do mundo, com 250 mil minas semeadas pelos dois Exércitos.
Vários balseiros já haviam morrido ou ficado mutilados quando tentavam regressar a Cuba, mas ele não se importava. Tinha passado cinco meses em Guantánamo. A frustração lhe dera forças.
O acampamento ficava a 2 km da primeira cerca. Mandy percorreu o caminho correndo. Antes de chegar, um jipe com dois soldados veio interceptá-lo. Um dos marines, moreno, lhe falou com o sotaque inconfundível de Porto Rico.
"Aonde você vai?" perguntou a Mandy. Este respondeu que estava voltando para casa, que não tinha nada para fazer na base porque sua mulher e filha estavam sozinhas em Cuba. O marine perguntou se Mandy usaria violência contra eles. Mandy respondeu que não.
"Deus te abençoe", disse então o militar, descendo do jipe. Ele começou a indicar a Mandy o caminho que deveria seguir para evitar o campo minado norte-americano. "É perigoso", foi seu último comentário, antes de Mandy iniciar a descida pela escarpa que o conduziria a Cuba.
Ele passou pelas duas primeiras cercas de arame farpado sem contratempos. Mas, ao chegar em território cubano, viu uma placa com os dizeres "Perigo, campo minado". Suando, avançou devagar uns 30 metros até que, ao amanhecer, um soldado cubano com um megafone o mandou ficar quieto.
Pouco depois três militares com uniforme verde vieram em sua direção segurando nas mãos varinhas com que tateavam o terreno, marcando as minas para que ele pudesse voltar.
A fuga de Mandy ocorreu no final de fevereiro. Mas no início não era tão fácil escapar de Guantánamo. Os soldados dos Estados Unidos perseguiam e prendiam quem tentava fugir.
Até agora nem as autoridades cubanas nem as americanas forneceram uma cifra oficial de mortos e feridos (segundo alguns, entre 10 e 15), os balseiros que já morreram ou perderam as pernas desde 9 de setembro, quando Cuba e EUA firmaram acordo pelo qual nenhum cubano poderia ingressar nos EUA vindo de Guantánamo.
Desde então, 1027 refugiados já voltaram a Cuba, atravessando o campo minado.

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