São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Os deuses do Olimpo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Ainda bem que não sou amigo do sr. Pérsio Arida. Na rebordosa cambial que o país atravessou, ficou evidente que os amigos do presidente do Banco Central perderam uma nota firme. Somente os desafetos, indiferentes e desconhecidos conseguiram vencer a borrasca.
Bem verdade que minhas disponibilidades de aplicação, no momento, andam bastante combalidas. Mesmo assim, tendo dependentes que moram no exterior, sou obrigado todos os meses a saber quanto me custarão as alfacinhas que tanto inquietam os honestos funcionários da nação.
Não sendo amigo de nenhuma autoridade do setor, encarei naturalmente a pequena elevação do dólar que me fez poupar míseros reais —torrados no mesmo dia numa excelente caixa de Partagas (8-9-8). No que segui o destino nacional: o pouco lucro virou fumaça, embora fumaça da boa —o que não chega a ser o caso do Brasil, cuja fumaça costuma ser de pior qualidade.
É condenável a prática de governos que se instalam na base de prejudicar os amigos. É uma ação abominável: Dante colocou os traidores no pior círculo do inferno.
Bem verdade que, com o tempo, tudo volta ao leito natural da condição humana. Os amigos, que perdem no curto prazo, acabam ganhando no longo —como foi o caso da turma de Juiz de Fora.
Apesar disso, acompanho o sentimento nacional que se emocionou com o preço pago pelos amigos do sr. Pérsio Arida. Poderiam ter ganho milhões em aplicações de rotina, mas o interesse nacional falou mais alto. O presidente do Banco Central privou-os da informação e do privilégio, com eles falou de crianças, de cavalos, do desquite do Romário e dos gols do Túlio —assuntos pasteurizados— e só no dia seguinte ficaram sabendo das bandas cambiais que todo mundo —menos os amigos de Pérsio Arida— estavam carecas de saber.
Já lancei o meu brado retumbante: senhores, estamos vivendo uma grande era, uma era de imensos varões e imensas virtudes. Os deuses do Olimpo, depois de séculos no exílio, voltaram à Terra e estão brigando por um lugar no terceiro escalão do governo.

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