São Paulo, terça-feira, 28 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

N'Dour traz o pop africano ao Brasil

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O cantor e compositor senegalês Youssou N'Dour será o convidado de honra de Carlinhos Brown, nas noites de 7 (em São Paulo, no Palace) e 8 de abril (no Rio, no Metropolitan), no festival Heineken Concerts.
N'Dour tem uma coleção de sucessos nas costas, é febre na Europa desde os anos 80, além de constituir uma espécie de figura mitológica na África, onde sua autoridade de "griot" (casta hereditária de cantores que narram a história de sua tribo) se une ao engajamento político, em torno de bandeiras como a moralidade e a unidade das nações africanas.
No entanto, no Brasil, N'Dour só estourou mesmo em 1994, com a canção "Seven Seconds", cantada com Neneh Cherry, em seu álbum "The Guide".
Nesta canção, de sabor predominantemente pop, fica explícita sua fórmula do sucesso, que está na destreza em retrabalhar influências internacionais das mais variadas origens. Mas nem por isso ele abandona seus ritmos e instrumentos nativos. Muito menos o wolof, língua franca do Senegal, que ele usa na maioria das canções.
Em conversa por telefone com a Folha, N'Dour disse que "a música desempenha o papel de motor de reunião de povos e culturas. São só os artistas que conseguem se comunicar com populações que não falam a mesma língua."
Segundo ele, isso não seria uma ameaça às culturas tradicionais, ao contrário. "Absorver influências é um modo de respeitar ainda mais as origens. Quando não há contato com o mundo, a música se estagna. Desde a repartição da África, desde a escravidão, a música africana se espalhou pelo mundo. Se essas pessoas hoje se reencontram, é a música que vai ganhar."
N'Dour defende a união e a abolição de fronteiras em todos os níveis, a começar na África, onde, segundo ele, as idéias do senegalês Cheick Anta Diop, primeiro teórico da unidade africana, continuam mais do que nunca válidas.
"Temos que nos reconciliar com as idéias de Cheick Anta, saber aplicá-las", diz. "Ainda é possível conseguir uma África unida, e é necessário lutar por isso, num momento em que abundam conflitos ligados a fronteiras, problemas étnicos etc. Os poderosos aqui na África devem entender que temos de passar para uma outra fase. O interesse da África tem de vir antes de interesses pessoais."
N'Dour sugere em várias canções que se observe o antigo modelo de organização tribal. "A democracia moderna foi introduzida na África de maneira problemática. Mas há um modelo africano de democracia, o conselho de anciãos das aldeias e vilarejos."
Levado por suas preocupações políticas, N'Dour chegou a fazer um álbum inteiramente dedicado a Nelson Mandela. "Quando gravei o álbum não conhecia Mandela pessoalmente. Queria divulgar a história do apartheid entre pessoas frequentemente analfabetas, que não compreendiam o que estava acontecendo na África do Sul."
N'Dour está animadíssimo com sua vinda ao Brasil. "Nunca toquei com Carlinhos Brown, mas gosto muito do que ele faz, tenho certeza de que as coisas vão acontecer quando nos encontrarmos".
Disse ainda que sempre foi fã da música brasileira: "O que mais gosto é da percussão. Sei que vou enlouquecer assim que chegar aí."
Carlinhos Brown terá ainda como convidados Habib Saye, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay.

Texto Anterior: Médicos do HC protestam contra fim da residência
Próximo Texto: Fundação faz coleta de sangue em faculdade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.