São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Balanço comercial

ANTONIO DELFIM NETTO

Desde o lançamento do Plano Real, o governo se esquivou das críticas de que estava produzindo uma excessiva sobrevalorização da moeda nacional.
No início, contestou a idéia de que existia um "câmbio de equilíbrio". Depois negou as metodologias de cálculo que utilizavam o índice dos preços de atacado nos EUA (para representar os preços das mercadorias transacionáveis no comércio internacional) e o índice de custo de vida no Brasil (para representar os preços das mercadorias não-transacionáveis). Em seguida disse que o custo de alguns serviços deveriam ser retirados desse índice e assim por diante...
Diante do quarto mês consecutivo de substanciais déficits comerciais, resolveu esquecer a retórica e agir. Foi um desastre. Deve ter havido uma perda líquida de reservas entre 4 e 5 bilhões de dólares. Elas devem andar (no conceito de caixa) beirando US$ 30 bilhões.
Mas agora as coisas estão mais claras. Houve uma evidente inversão no comportamento das autoridades.
O verdadeiro significado da mudança da banda cambial de 6 de março é o reconhecimento que a taxa cambial estava desalinhada com os fundamentais.
Mais importante ainda, foi admitido que o balanço de serviços, cujo déficit é relativamente independente da taxa cambial, será alguma coisa entre 15 e 17 bilhões de dólares.
Como o objetivo do governo é o de realizar um déficit em conta corrente da ordem de 2% do PIB, ou seja, alguma coisa parecida com US$ 10 bilhões, pode-se deduzir que o que ele pretende é um superávit comercial em torno de US$ 5 bilhões.
Agora que, sob o peso da realidade, o governo teve de definir os parâmetros da sua política econômica, é claramente possível superar a retórica do escapismo. A taxa de câmbio real de equilíbrio é aquela que produzirá, em 1995, um superávit comercial de US$ 5 bilhões.
A soma dos déficits dos primeiros três meses do ano deve andar em torno de US$ 2 bilhões. Logo, é preciso produzir um superávit comercial de US$ 7 bilhões nos próximos nove meses, ou seja, um superávit mensal médio da ordem de quase US$ 800 milhões.
É pouco provável que nas condições atuais de pressão e temperatura (nível de atividade e taxa de câmbio real) possamos passar de um déficit mensal médio de US$ 700 milhões nos primeiros três meses a um superávit mensal médio de US$ 800 milhões.
Isso significa que o governo vai ter que utilizar cuidadosamente uma combinação de correção da taxa nominal de câmbio e redução do ritmo de crescimento, se não quiser trilhar caminho perigoso.
A pior de todas as soluções é que se começa a arquitetar em alguns porões do governo: a restrição física às importações através do famoso instrumento de política econômica —a gaveta. É claro que existe um "trade-off" entre variação do câmbio nominal e a taxa de inflação. Mas ele é ainda maior entre controle físico e inflação.

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