São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 1995
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É proibido construir

LUÍS NASSIF
É PROIBIDO CONSTRUIR

A aliança entre Lula e Brizola, contra as reformas, é singular. São contra as reformas e também contra o que aí está. São a favor de quê? Deixar tudo como está para ver como é que fica.
Estudantes universitários fazem barulho pelo direito de as universidades permanecerem na vida risonha e franca de gastar dinheiro público sem dar satisfações a ninguém. Não conseguem avançar uma bandeira além de seu umbigo.
Militantes sindicais invadem agressivamente Brasília. A favor de quê? A favor só de quem for contra qualquer coisa.
A maior vantagem de ser oposição é justamente poder criar utopias sem a responsabilidade de implementá-las. As atuais oposições nem isso conseguem. Seu discurso exala, como nunca na história moderna do país, a defesa exclusiva de seus privilégios.
A não ser o povo brasileiro que trabalha nas estatais, quem, do "povo brasileiro", ainda acredita que as estatais lhes pertençam? Quem aceita que se vive no mundo ideal? Ninguém suporta mais o negativismo, a aposta no errado e a falta de disposição para construir.

Inseguros e espertos
Sensível a esta realidade, Lula chegou a anunciar que o PT iria apresentar propostas alternativas às do governo. Foi apresentado um projeto responsável de reforma da Previdência, de autoria do deputado Eduardo Jorge (PT-SP). Mas, logo em seguida, o deputado foi desautorizado pela Executiva do partido, sem que Lula esboçasse um gesto em sua defesa.
Definitivamente, o lema dessas esquerdas virou: é proibido construir.
Nem sequer a grande esperança de renovação —o presidente da CUT, Vicentinho— escapou dessa crise de esterilidade. A cada dia que passa, Vicentinho mais perde o charme, a criatividade e o arrojo. Abriu mão até da bandeira da livre negociação salarial —que sempre foi sua— em favor de uma lei salarial oficial. Deixou que a Força Sindical empunhasse sozinha a bandeira da autonomia sindical. Hoje, sua energia e criatividade são postas a serviço de pequenas espertezas. Comporta-se como o jogador de xadrez cujo único objetivo na vida é dar xeque no adversário.

Sem bandeiras
Não há movimento, por mais barulhento que seja, que resista à falta de bandeiras. Não há brasileiro não-militante, por mais condescendente que seja, que suporte esse negativismo.
No final da ditadura, tinha-se um governo que não conseguia despertar uma esperança sequer e uma esquerda prenhe de utopias —ainda que muitas delas se revelassem furadas.
Agora, o novo governo vive a situação extraordinária de encarar, ele próprio, as mudanças, sem que as oposições consigam recriar uma nova utopia. E qual sua decisão? Assustar-se com meia dúzia de gritos e ameaçar jogar a toalha no ringue. Não se cometa essa imprudência. Há uma fase de turbulências econômicas pela frente que tem que ser enfrentada com disposição e esperança.
Se o presidente da República matar a esperança, ele e o Real terão um final melancólico. E o povo, mais uma vez, pagará a conta.

Objetividade
A única pessoa nesse governo com objetividade e visão política é o ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Aparentemente, é o único a se preocupar com a chamada agenda positiva. O restante ou se encolhe como coelho assustado ou assume a postura de bedel de escola pública.

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